Por Daniel Aarão Reis

Há trinta anos, no dia 9 de novembro, caiu o Muro de Berlim. Ou foi derrubado?

Para a boa resposta, seria aconselhável considerar as condições de sua construção, em agosto de 1961. Não era só um paredão, mas um complexo repressivo, com casamatas, torres, cercas eletrificadas e fossos, e soldados, policiais e cachorros encarregados de reprimir fugas da República Democrática Alemã/RDA, para a República Federal Alemã/RFA.

Como aquilo pudera ter existido?

Houve a proteção da União Soviética. Sem Moscou, ele não teria sido construído. Além disso, consagrou-se um tipo de socialismo, imposto pela força: economia estatizada, ditadura política, partido único e sociedade policiada. Um terceiro ingrediente foi decisivo: a passividade dos EUA e aliados europeus, que se limitaram a denúncias protocolares.

Uma vez construído, o Muro bloqueava o trânsito. Em sentido metafórico, assinalava limites. A doutrina Brejnev da “soberania limitada”, formulada sete anos depois, conferiu-lhe um caráter estratégico. Os regimes socialistas na Europa poderiam fazer o que desejassem, menos se afastar do socialismo. Moscou diria o que era e o que não era socialismo.  O esmagamento das insurreições e movimentos populares em Berlim (1953), na Hungria (1956), na Polônia (1956, 1968, 1970 e 1976) e na Tchecoslováquia (1968) atestavam a consequência com que tais princípios seriam assumidos.

Assim, aquela construção exprimiu uma correlação de forças e um certo tipo de socialismo, no contexto da Guerra Fria, polarizada entre as duas superpotências que se disputavam a hegemonia mundial.

Para ser derrubado ou cair, muitos tijolos – outros muros – precisavam vir abaixo.

Os primeiros tijolos caíram na Polônia. Grandes lutas operárias impuseram o reconhecimento de uma organização autônoma em relação ao Estado, o Solidariedade, com cerca de 10 milhões de trabalhadores, em novembro de 1981. Um golpe militar, no ano seguinte, tentou inverter a onda. Em vão. Muitos zig-zags depois, negociações resultaram, em setembro de 1989, na criação de um governo chefiado por um católico – Tadeusz Mazowieck.

Mais tijolos cairiam muito longe daquelas paragens, no Afeganistão, invadido por tropas soviéticas, em dezembro de 1979. Visavam apoiar um governo aliado. Não deu certo. Uma guerra de guerrilhas infernizou e envenenou a sociedade e o poder soviéticos. Quando houve a retirada, em 1989, Moscou percebeu a inviabilidade de novas aventuras militares.

Bem mais pesados tijolos começaram a cair na União Soviética. O colosso entrara em ebulição a partir de 1985. Duas palavrinhas russas dariam a volta ao mundo: perestroika (reestruturação) e glasnost (transparência). Enquanto a transparência evidenciava os males do socialismo, a reestruturação resfolegava. Dizam os soviéticos: “abrimos a geladeira, e ali não encontramos a perestroika”.  As reformas desandaram, quebrando o monolitismo das instituições políticas, questionando o poder dissuasivo da URSS. E veio a promessa explícita de que as sociedades da Europa central passariam a ter liberdade de escolher seus caminhos.

Outros tijolos desabaram na Hungria com o estabelecimento do pluripartidarismo, em novembro de 1988 e o desmantelamento, em maio de 1989, dos obstáculos que impediam a livre passagem para a Áustria. Uma brecha, por onde entraram milhares de alemães. Centenas se refugiaram nas embaixadas da RFA em Varsóvia e em Praga. Uma debandada. Os tijolos agora caíam na própria RDA. O partido comunista tentou ainda segurá-los, falando em nome do povo. Mas as gentes  nas ruas gritavam: “o povo somos nós”. O governo e a polícia desmoronaram. Na última hora, era a noite de 9 de novembro, o ministro do interior anunciou que se autorizavam as viagens. Antes que ele acabasse o discurso, já o povo tomava de assalto o muro e o atravessava por cima e por todos os lados, derrubando-o, em apoteose de alegria e júbilo.

De sorte que o Muro caiu e foi derrubado. E se abriu o horizonte da desejada liberdade, sempre instável, perigosa e incerta.

 

Daniel Aarão Reis
Professor de História Contemporânea da UFF
Email: daniel.aaraoreis@gmail.com

 

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here