Lá pelos idos de 1982, 83, a Ufmt era nosso lugar de ocupação cultural nosso reduto esconderijo lugar de passeios e devaneios poéticos artísticos musicais revolucionários. Éramos contra tudo contra todos refratários até mesmo a dialogar com os contrários. Ocupávamos trincheiras invisíveis separados pelo berro poético pelo scracho performático pelas ocupações artísticas e experiências de linguagens que beiravam a insanidade, conceitual e libertária, não tinha limites para criar. O Parque Aquático era um dos lugares onde fincávamos nosso pau de barraca e sob luares vivíamos fazendo recitais e colagens poéticas com nosso próprios textos, Sodré Toninho amauri lobo luiz renato e eu,  basicamente, a poetada do Bandugira, com a presença de várias outras pessoas que passavam pelo grupo Caximir Buquê – “o lixo do luxo”. A auto depreciação soa ao contrário, é alogio entre libertários, punks e roquers, essa galera que gosta de se vestir do avesso.

Dizem que não tínhamos manifestos, mas quá, cada evento era um manifesto e nosso lugar era no subterrâneo ou nas margens como gostam de dizer. Mas o poder nos procurava, buscava seduzir a rapaziada. Representando a instituição UFMT o poder cultural na época era Marília Beatriz, advogada, poeta e escritora ainda titubeante na época, era bem tímida a professora. Como coordenadora da cultura e muito próxima de wladipino freire e intensivistas, vanguarda literária, mas ao mesmo tempo flertava com uma elite cuiabana acadêmica e conservadora.

Engraçado, marília sempre foi simpática, sempre nos aprovou, sempre estimulou, sempre apoiou institucionalmente apesar de nossa pose.

A Universidade era o local onde a efervescência cultural da Cuiabá acontecia no início dos anos 80 quando eclodiu uma autêntica infestação de artistas que dialogavam com as grandes urbes planetárias. Existia um nível de informação circulando na cidade que estava em  sintonia com os movimentos culturais que se espalhavam pelo mundo. Cada vez mais experimentais e guerrilheiras, as frentes de luta passavam pela linguagem. Isto é uma condição revolucionária, criar linguagem é um ato revolucionário. A cultura sempre esteve à frente das grandes mudanças na história.

Marília Beatriz Coordenadora de Cultura da UFMT, com Rosana Calix, Clóvis Matos, Aline Figueiredo, com o eterno conselheiro provocador Wlademir Dias Pino, eram as potências criativas que agitavam a universidade, lançou um convite certa vez para o Caximir que estava se formando para participar do Bate Num Quara um projeto que acontecia mensalmente no Teatro Universitário e envolvia a apresentação de dois convidados, um músico e um poeta. Como eu estava fazendo muito barulho no curso de Letras, me convidaram para ser o poeta de uma apresentação tendo como músico o João Elóy, rasqueadeiro e médico. Não vi sentido em participar sozinho e envolvi a turma que estava recitando poemas nas noites quentes de Cuiabá nas escadarias do parque aquático. Nos denominamos a poetada. Pronto, fechamos a participação coletiva! A apresentação inaugurou o nome Caximir Buquê o lixo do luxo e apresentamos o espetáculo Kakus i Kavakus, uma sequência delirante de poemas de nossa autoria com muito escracho e humor, fragmentos cênicos, performáticos, com trilha sonora ao vivo e incidental, um espetáculo ousado e totalmente inovador para a época.

Em várias oportunidades a professora Marília Beatriz nos cedeu a palavra e o espaço. Por mais que confrontássemos ela sempre estendeu a mão e com seu sorriso cativante conseguia quebrar asperezas e revoltas. Depois de muitas histórias e cumplicidades, ela deu uma sumida de anos…quando voltamos a nos encontrar ela era mestra em semiologia, a matéria de estudos e pesquisa que encantava a vanguarda das linguagens na época. Semiótica era o bicho, todos gostavam de esnobar conhecimentos sob a égide da Semiótica. A gente sempre zombava das coisas, e a ótica inteira? Mas me senti surpreendido pelas escolhas da professora, que era grande adimiradora do poeta e acadêmico João Antonio Neto, meu tio, o que me conferia algum privilégio, mas confesso que nossa visão em relação à Marília era preconceituosa, justamente pela sua relação com o poder institucional.

Daí em diante foram esparsos nossos encontros, lembro uma das últimas vezes em que nos encontramos na porta de um supermercado e ela, que estava na presidência da academia de letras de mt: Eduardo, meu sonho é te levar para a academia para fazer uma revolução digital lá dentro! Rimos muito e adiamos para sempre a possibilidade.

Outra vez num encontro em um festival de cinema, tiraram uma foto nossa, estava ladeado de Maurília Valderez e Marília Beatriz, uma foto linda, tirada pela Thania de Arruda. Sempre a ufmt. A professora Valderez viveu uma amizade de muito tempo com Marília, tinham muitas afinidades. Teve um café da manhã incrível em minha casa que minha filha jornalista Marianna Marimon proporcionou ao receber Marília para uma entrevista oportunidade que aproximou as duas numa relação de intenso afeto e admiração.

Mas a vida seguiu com seus múltiplos caminhos. Mudamos todos, as coisas mudam, é óbvio, e certas mudanças são definitivas para influenciar a cena cultural e Marília cresceu muito abrangendo novos e velhos na caminhada fortuita de sua carreira como agitadora e provocadora cultural, mestra, respeitada. É preciso dizer que Wlademir Dias pino que jurou nunca pisar na Academia de Letras, se rendeu aos encantos de sua adorável amiga Marília Beatriz em sua posse como presidente. Wlademir, eu, e alguns outros autores, participamos de um evento produzido pelo Wuldson Marcelo, debatendo literatura contemporânea, na antiga Casa do Governador e Fundação cultural, no mesmo dia e noite. Mas ele saiu de nosso evento e foi até a Academia de Letras, e entrou lá e a cumprimentou com toda a reverência de quem se rendeu.

Marília Beatriz trabalhou intensamente nos últimos anos de vida, na verdade foi incansável por toda sua vida, mas fez par com uma rapaziada aguerrida e inventiva, cheios de garra e criatividade, destaco aqui o Luiz Marquetti e o Caio Ribeiro, o Caio Subindo. Ela e Caio tiveram uma relação amorosa rumorosa e que escandalizou muitos pelo simples fato do Caio ser muiiiito jovem para ela na visão conservadora de alguns vivos-mortos que teimam em não quebrar as distâncias. Qual a regra certa para a idade dos apaixonados? Qual o nível das relações? Como elas acontecem? Seja como for, foi um amor fecundo, de produção criativa desenfreada, cartas e poemas, performances, a união amorosa-criativa que sabemos, quando explodem, haja céu para tantas constelações.

Tem muito o que escrever ainda sobre e de Marília de Beatriz…é assunto que nunca se esgotará. Viajei aqui na memória fragmentada e dissonante para apresentar um dos resultados de tanta história. A CALM, de Luiz Marquetti, produziu um documentário sobre a mestra, faz parte de um projeto que lança ainda um livro de poesia e outros experimentos, correspondentes, de autoria de Marília e Caio. Uma celebração poética e amorosa. Imperdível, no  YouTube, domingo às 19h. Vamos ver? Clique no link abaixo e acione o lembrete no canal.

Foto de Ahmad Jarrah, no Facebook

Lançamento do documentário “Cuiabá – Marília Beira-Mar” e Pré-lançamento do livro “Loucos e sábios: o livro dos diamantes”

Data: 09/05, às 19h (horário de Cuiabá)

Local: Canal do CALM no Youtube https://youtu.be/P5X3nOs6Xzg

Produção: CALM / Realização: Lei Aldir Blanc em Mato Grosso/ Secel/MT / Secretaria Especial da Cultura – Ministério do Turismo

Informações: (21) 96434-4481 (produção executiva) ou (65) 9 9962-0352 (assessoria de imprensa

 

 

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here