Viver em uma democracia garante direitos e pressupõe deveres. Exercer a cidadania é responsabilidade de todos que convivem em uma sociedade. Participação e envolvimento são prerrogativas de cada um de nós. A nossa missão enquanto cidadãos é muito maior do que depositar um voto em uma urna a cada dois anos. E foi justamente nesse período de dois anos que o Cidadão Cultura nasceu, cresceu e continua evoluindo e se desenvolvendo enquanto ferramenta e laboratório de comunicação, cultura e arte.

Este experimento quase científico exige labor diário. É uma estrutura que sempre se pretendeu complexa por abrigar múltiplas linguagens e possibilidades. A existência do Cidadão Cultura é reflexo de uma animação que acontece em todo o país, a resistência das mídias independentes. Estas mídias propõe uma nova maneira de comunicação, com propostas diferentes e inúmeros vieses. É saudável e tem impulsionado uma mudança nos meios de comunicação considerados tradicionais, a grande imprensa. O mundo assiste atento e atônito aos impactos das fake news no concreto da realidade. Notícias falsas impulsionadas por exércitos de bots, verdadeiras fazendas de robôs virtuais, a nova modalidade do obscuro mercado dos algoritmos.

O digital e seu poder de alterar realidades e criar narrativas. Para o bem ou para o mal. São as tecnologias da informação e da comunicação que quebraram todos os paradigmas e possibilitaram avanços até então impensáveis 20 anos atrás. O mundo na ponta do dedo. Todo o conhecimento produzido na história da humanidade em uma nuvem. O futuro chegou. Para o bem ou para o mal, as novas tecnologias tem sido utilizadas para mudar a realidade. É a consciência e a responsabilidade enquanto cidadãos que determinará o resultado do seu uso.

Tudo passa pela educação e pela cultura. Este portal tem reunido um conteúdo extenso ao longo destes dois anos de produção. Falamos sobre identidade de gênero, feminismo, política, filosofia, podres poderes, cinema, música, teatro, arte, história, legalização das drogas, agronegócio, meio ambiente, povos indígenas, pessoas em situação de rua, tecnologia, comunicação, projetos culturais, movimentos sociais, movimentações artísticas, resistências, tradições, rupturas, vanguardas, passado, presente, futuro. Falamos com intenção de provocar a reflexão e a ação. Afinal, de que serve tanto conteúdo se não utilizamos? De que serve tanta consciência se não agimos? Se não participamos? De que serve saber se não compartilhar? Tenho pensado sobre o que retemos, aquilo que impregna na nossa pele e nos move para um outro lugar que não aqui.

Neste espaço acompanhamos as mudanças que aconteceram no Brasil e no mundo nos últimos dois anos. Passamos por um golpe com a destituição de uma presidenta eleita, a democracia foi enfraquecida e as instituições fragilizadas, ouvimos panelas soando e a realidade nos engolindo. Descobrimos a manipulação por trás de processos contra políticos. A eleição de Donald Trump garantida pelas fake news, o papel do Facebook e da Cambridge Analytica em toda a tramoia, a Rússia e sua máquina de fabricar mentiras. Ameaças de bombas atômicas nas disputas dos maiores líderes mundiais. EUA x China. A eleição dos neonazistas para o congresso alemão. Assistimos a maior carnificina nos presídios brasileiros. A censura se infiltrando nas obras de arte, nas peças de teatro, nas exposições. O conservadorismo gritando palavras de ordem e progresso. Uma intervenção militar no Rio de Janeiro. E a prisão do maior líder popular do país em um processo claramente político. Enquanto grande parte do Congresso Nacional, dos ministros e quem diria, o próprio presidente estão envolvidos em processos judiciais.

Durante esses dois anos fomos golpeados inúmeras vezes. Da execução de uma jovem vereadora, Marielle Franco, mulher, negra, feminista, lésbica, da periferia, fizemos das lágrimas e da comoção nacional um grito de protesto para o fim do genocídio da população negra brasileira, que se não morre nas ruas está encarcerada nos presídios. Sua morte é simbólica, com os tiros o que escutamos é: não se atrevam a mexer nas estruturas.

Parece que chegamos em um ponto crucial, a encruzilhada do caminho. Conseguimos enxergar as estruturas racistas, oligárquicas, machistas, patriarcais, latifundiárias, e reunimos toda a força possível para movê-las de sua posição confortável de poder e transformá-las em estruturas sociais, inclusivas, compartilhadas, comunitárias, colaborativas, participativas.

Nada está pronto e acabado no mundo, seguimos em constante transformação. Precisamos do movimento. Precisamos da luta. É difícil resistir enquanto o mundo nos bombardeia, mas mesmo nesses momentos de escuridão conseguimos enxergar a luz. As pessoas se dão as mãos e se ajudam a levantar, a caminhar, passo por passo. É um trabalho árduo, diário, de compreensão, diálogo, aceitação e afetividade. As estruturas estão sendo movidas. Temos a possibilidade de transformar o mundo, por mais piegas e clichê que isso possa soar. A Internet nos possibilita uma conexão e participação nunca antes imaginadas. É uma ferramenta democrática. Consumimos informação, interagimos, somos a nossa própria mídia, mergulhamos no espelho negro das telas LED. Mas este mergulho deve ser mais profundo do que o sofá.

Com todo o acesso que temos, é necessário esse movimento, levantar, ocupar os espaços públicos, resistir nas ruas. O Cidadão Cultura é uma dessas possibilidades, mas não é a única. É preciso ir além do que está posto, avançar nas nossas inquietações, provocar a ação da mudança. Por mais que nos isolemos em nossas bolhas virtuais, não estamos sós. O diálogo não existe na base do grito, da disputa, da incompreensão. Para existir diálogo é preciso chegar ao outro, vestir a sua pele, calçar os seus sapatos para que haja troca e da troca, identificação, construção, compartilhamento.

Em uma dessas entrevistas, escutei uma frase que fortaleceu o meu sentido: “A utopia é como um pássaro, quando chegamos perto ele voa para o horizonte. E para que serve a utopia? Para caminhar”.

Então, caminhemos. Avante Cidadão!

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

3 Comentários

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here