Foram quase cinco anos de dedicação diária a este portal, que sempre teve como compromisso multiplicar o acesso e mapear a produção cultural e artística de Mato Grosso. Percebemos o peso da responsabilidade desde o primeiro momento. Representatividade é uma palavra que tem nos acompanhado nessa trajetória árdua. Atuar como agentes culturais é uma missão. Este espaço nasceu da necessidade de ampliar e diversificar o olhar sobre as múltiplas narrativas. Dar voz e vez para quem muitas vezes fica à margem. Um laboratório. Uma experiência. Um projeto que se demonstrou necessário ao longo de todos esses anos.

É por ter consciência disso que o coração pesa em ter que escrever essa carta de despedida. Sabemos o vazio, o vácuo que ficará com esse encerramento. Essa é uma carta de despedida. Uma dolorosa despedida. Foram cinco anos tentando manter a produção diária, incentivando colaboradores, abrindo o caminho para artistas, escritores, jornalistas. Este lugar é o lugar do sonho. Para bancar essa plataforma, tivemos outros trabalhos, os fixos, que nos permitiam sonhar e produzir. Mas, a realidade se impõe. Os últimos anos têm sido anos de duras perdas. Sabemos disso. E dói colocar no papel um último texto. As últimas palavras escritas para tentar narrar um pouco do que foi esse período.

Entrevistamos artistas incríveis, pensadores, pesquisadores, professores. Fomos aos quintais das pessoas e gravamos em vídeo um recorte sensível daquilo que compartilhavam conosco, nesse canal audiovisual singular que é a TV de Quinta(L). Investimos tempo e dinheiro para manter no ar aquilo que sabíamos ser tão importante e fundamental para que as pessoas se reconhecessem e conhecessem a nossa cultura. E mostrar para Mato Grosso que o que é feito aqui está em constante diálogo com o que é feito ao redor do mundo. Nunca devemos nada para ninguém. A nossa arte sempre foi resistência e potência. Amplificar a arte e a cultura e falar sobre política, meio ambiente, filosofia, literatura, cinema, teatro, artes visuais, música, foi um privilégio.

Não deixamos de acreditar na possibilidade coletiva de construir novos caminhos e consolidar outros futuros que sejam mais acessíveis e justos para todas as pessoas. Acreditando nisso lançamos um concurso artístico que resultou na revista Dixtopia. Mais uma materialização dessa resistência coletiva.

Mas, de novo, a realidade se impõe, e muitas vezes ela é amarga e cruel. O Brasil tem pagado um preço caro demais nessa corrosão de uma democracia que sequer chegou a ser plena. As fake news, o fascismo, a distorção dos fatos, o menosprezo à ciência, educação, cultura. É um projeto sórdido que visa destruir tudo o que é verdadeiramente nosso.

Pensamos muito na responsabilidade que esse portal tem. Fazer um outro jornalismo, diferente do que vivenciei nas redações em Cuiabá, era algo indissociável do meu ser e estar no mundo. Não deixo de acreditar nisso. Reforço quando posso o caráter social da imprensa. É comunicação social. E a construção da cidadania só é possível com essa atuação que garante o direito à informação. Temos esse direito previsto na Constituição Federal. É assim que podemos cobrar os poderosos, denunciar o descaso, jogar lente de aumento nas desigualdades que assolam esse país. Um dos mais desiguais do mundo. Um abismo que nos separa.

Encerramos esse capítulo com pesar. Não porque deixamos de acreditar no que a Cidadã(o) Cultura representa, pelo contrário, mas por entender que tudo se encerra. A vida e seu eterno ciclo de nascer, viver e morrer. Com o passar do tempo, tudo foi ficando mais difícil, praticamente inviável. Os compromissos com os trabalhos que pagam as nossas contas foram se avolumando, o engajamento e o acesso foram diminuindo, os aportes financeiros que apoiavam a realização desse sonho praticamente sumiram.

Mas, independente do que o futuro reserva, esse lugar de sonho permanece vivo como arquivo. Afinal, não podemos nos desvencilhar desses anos de história construída em conjunto com tantos e tantas. Aqui fica esse vislumbre de que é possível sonhar. Ainda que os sonhos acabem.

Agradecemos imensamente a todos, todas, todes que colaboraram, que acreditaram junto, que sonharam esse sonho maluco e improvável. Vocês foram essenciais para a continuidade desse projeto.

Tudo que começa tem fim. É a entropia. Não podemos fugir desse fenômeno. Mesmo que viremos esta página, nosso propósito não se esgota aqui.

A arte resiste, sempre!

Compartilhe!
Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here