Angélica Queiroz

Você me desestabiliza. Todo dia eu tento lidar com o fato de você existir no mesmo planeta que eu. Tento me preparar para a ideia de que agora é na mesma cidade e existe a possibilidade real de te ver em qualquer esquina. Análise, meditação, corrida, livros de teoria e, ainda assim, é só você aparecer que sinto e enxergo cada milímetro do meu corpo. Tipo da vez que tomei LSD. Você voltou antes do tempo, mas eu já sentia. Você achou que deveria aparecer “por acaso” no lugar onde eu estava no seu primeiro dia de volta. Numa cidade desse tamanho não tem muita coincidência. Eu já sabia, sou boa em pegar os seus sinais. Tinha certeza que você iria. Mesmo assim quase caí pra trás quando te vi. Tentei fingir naturalidade, mas todo mundo percebeu. Eu ainda não sei explicar como, não importa pra que lado eu ia, sempre estava do seu lado conversando contigo. “Deus me livre, mas quem me dera”, parafraseando o comentário do amigo bêbado sobre a situação.

Sem fim como sempre, de lá pra outro bar, e de lá pra balada. A galera se dividiu para lugares diferentes. A gente foi pro mesmo. Sem combinar. Mas lá, no meio da escolha de destinos e de cada um seguir seu caminho na noite, nunca houve a possibilidade de não seguirmos juntos. Sabe essas coisas que estão sempre subentendidas? De repente estávamos nós dois tendo uma de nossas DRs bêbados porque o meu inconsciente sempre me sabota pra que te passar uns ciúmes tolos (quem é Gaspar na fila do pão?), só pra te ver perder a pose e, bravo e bêbado, admitir que se importa. E fingir que não se importa, mas deixar isso escancarado na sua cara.

A noite foi uma sucessão de desencontros, uma competição acirrada para ver quem era o mais descolado, o que se perturbava menos com a presença do outro, o que fazia mais sucesso na balada. Até parece né? Não há mais ninguém na minha balada quando você está. Não há mais ninguém na sua balada quando eu estou. Mas a gente finge. E sabe quem ganha a competição? Ninguém. Bebida demais, erros primários, eu chorando. E você? Me confessando com mais álcool que sangue no seu corpo, que não sei das suas cicatrizes. Não sei mesmo. Mas gostaria muito de saber. Queria sentar, de frente pra você, e ouvir todas as suas histórias, que você nunca me contou. 

Queria te contar que sempre foi você. E que me mudei para São Paulo deslumbrada com a ideia de mais de 12 milhões de pessoas. Mas percebi, um pouco decepcionada, que nenhuma delas significava como você. Tem uns caras mais bonitos e mais estilosos e que me convidam para aulas experimentais de arco e flecha no primeiro encontro. Encontrei um que me manda as mensagens que sempre quis receber de você. E um que me acordou com café e poesia outro dia. Eu acho que você nunca leria poesia de manhã. E eu sou pura poesia. Mas, ainda que sem poesia nas manhãs, sempre foi você. Qualquer coisa eu mesma leria a poesia, mesmo você alegando ressaca e caçoando do meu bom humor matinal. 

Eu não gosto de fazer joguinhos. Mas se você começa com um eu logo entro na competição para ganhar. Decidi, depois de te ver beijando minha amiga na minha frente, que não dá mais pra ser assim. E que eu não me importo de perder. Que eu quero que você saiba o quão importante é na minha história, mesmo que na maior parte do tempo tenha estado longe. E que eu ainda to absorvendo algumas coisas antes de assumir pra mim mesma que também sou parte importante da sua, mesmo que a gente nunca fique junto. Eu tinha uma teoria de que a nossa história era algo que eu tinha criado para preencher um vazio e que pra você eu não significava muito. Era um jeito de manter nossa história segura comigo. No último jogo, no meio do segundo tempo, essa história caiu por terra. Você estava lá, do meu lado, e não ia pra lugar nenhum. Significa.

Te chamei para uma conversa. Você disse que podia ser, mas não me respondeu mais. Você disse que não se lembra de nada da última noite, mas pediu desculpas mesmo assim. E se lembrou de pedir minha conta pra me dar o dinheiro que eu te dei pra ir embora. Quem não se lembra de nada, lembra disso? Não sei, né? Será que um dia vou saber? Será que você vai ouvir tudo e desconversar como sempre? Ou será que vai finalmente dizer tudo o que tem vontade de me dizer? Nem que isso seja me mandar ir embora… Será que você já está pronto para viver essa história ou vamos adiar mais? Eu posso esperar, mas não mais sem te dizer como me sinto. E você que lide com isso.

Angélica Queiroz é jornalista de formação, mas gosta mesmo é de escrever porque se mostrar também é cura. Os emocionados que se emocionem.

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