Por Glauber Lauria*

Não dormia nem lia, os solavancos da estrada nada permitiam a não ser bebericar cachaça curtida no murici e pensar observando poeira e mato; estrada clara, poeira amarela, mata escura, noite fechada.

Quando desceu do ônibus olhou, pensou no México, sorriu. Era apenas o estado em que nascera, mas em um lugar onde nunca estivera, não conhecia o México. Rosa, o sertão… Era esse imarcescível o que buscava? Não sabia, estava feliz e sozinha.

Não muito quedou-se assim percebeu que as pessoas que desciam do ônibus em que viajara  adiantavam-se apressadas para uma vã; com sua mochila pendurada ao ombro em uma só alça partiu lentamente ao encalço dos que se atabalhoavam.

Tocou educadamente o ombro de um rapaz que encontrava-se de costas, disse boa noite e perguntou sobre hotéis baratos, “só no centro”, “e como faço?”, “a vã é essa”, “ainda tem vaga?” , “pra senhora tem”. Só aí percebeu que o rapaz acomodava malas, estava ligado ao veículo e era mais um.

Deliciava-se com o desconforto do carro o calor abafado a proximidade dos corpos desconhecidos quando passaram por um pequeno lago não artificial e imediatamente o viu sob o sol da manhã em que caminharia naquela orla possivelmente vendo pássaros.

As pessoas desciam à porta de suas casas, ela olhava a cidade; ficava o micro-ônibus vazio, achegou-se a janela e lembrou-se de seu “bisturi”, deu um gole sabor poeira madeira cerrado saudade.

“a pensão de Dona Francisca é o mais barato”, “quanto?”, “acho que setenta, num sei”, “foda”, “u quê?”, “nada, de boa, vamo lá”,”temporada”,”beleza”, “a moça vai ficar ou veio só de passeio?”, “por quê?!”,” ah, nada”, “hhuun!”.

Ela sabia que à época das chuvas as estradas ficavam intransitáveis e os setecentos quilômetros que fizera em treze horas de viagem poder-se-iam tonar uma semana; pensava nisso enquanto maliciava o que dizia o um.

Deixou a mochila, trocou de camiseta, passou perfume, sorriu pra Dona Francisca e atravessou a rua; era estranho estar assim, calma, sorrindo sozinha.

Na distribuidora long neck puro malte de quatro conto, havia uma lan house na mesma rua, não era o fim do mundo, parecia mesmo o início do paraíso. Bebeu com sede, rápido, no bico e na calçada olhando a fachada do hotel. Pegou outra e teve que voltar, a sede era tanta que esquecera agenda e caneta, celular sem carga, bem, amanhã seria outro dia.

Desceu para a orla com o “bisturi” no bolso cerveja na mão caneta agenda e viu a primeira Karajá, pernas esguias e tatuadas, faceira como o bronze do Belas Artes. Só aí pensou no trabalho; uma sombra perpassou-lhe de soslaio, queria escrever poemas, não uma reportagem; mas foi rápido, ao ver rio e ilha, pensar no poeta indicado ao Nobel, soube que estava bem, e faria o que desse. Nem toda viagem era uma matéria, sabia dessa ausência de profissionalismo, autoboicote, foda-se; seu texto compensava isso, era respeitado na redação e sabia disso.

Olhar preservada natura e pensar em mártires, chacinas, assassinatos. Ver pessoas felizes e saber que são ceifadas como flores que não chegam ao mercado. Perdera a vontade de escrever; seria a matéria extensa, denúncia, indigenista, lírica? De que sabia. A matéria poderia começar com Dona Francisca. Sentia-se mais enternecida que triste.

Pensou em rio e ilha brilhando a luz do dia como em fotos que vira, nadar estava perdido ainda, tinha casa alugada, trabalho, um monte de livros e quase nada, a não ser escrever poesia, sim, a matéria poderia ser escrita, nada estava perdido ainda.  Sempre soubera da vida como ilha, não estava admirada, não era reprimida, era isso, e apenas isso, a vida. Ponto para a pauta que respira.

 

*Glauber Lauria é poeta mato-grossense e mora no mundo. 
Nascido em 1982, publicou de forma independente o livro Jardim das Rosas em Caos, 
já participou de três antologias em diferentes estados brasileiros e possui poemas 
publicados nos seguintes periódicos Sina, Acre, Fagulha, Grifo, Expresso Araguaia 
e A Semana.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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