Por Arthur Santos da Silva

O que eu queria mesmo, digo isso lá do fundo do meu raso, era começar esse texto no segundo parágrafo. É que quando aprendi a escrever parágrafos, aprendi que o primeiro é o mais arrogante. Disse o seguinte, meu professor de parágrafos: “todo texto deve ser um conjunto de ideias que se associam/ o jeito mais fácil de você iniciar é identificando o assunto/ mas quando for personagem, esconda um pouco a cara dele/ mantenha suspense, não sendo assim todo mundo desiste de ler/ outro jeito é o seguinte: você também pode começar fazendo uma certa alusão histórica/ ‘em 1992 morreu quem deveria ter vivido muito’/ ou ainda tem um terceiro jeito, cite um exemplo/ ‘quando eu me encontrava preso, na cela […]’/ tem um jeito que começa perguntando […]”. Aprendi tanto com esse professor que agora tenho nojo de começar a escrever. Aí prefiro embalar no segundo. O pior é quando leio aqueles textos, geralmente contos, que começam descrevendo as coisas. Vão indo, indo. Acho que todo jeito de descrever as coisas já foi usado. Mas isso é em texto dissertativo. Na poesia também. Uma vez eu li um estudo que dizia: “em 1930 as rimas da moda eram com as palavras ‘amor’ e ‘dor’/ em 1960 eram ‘homem’, ‘come’ e ‘fome’/ em 1980 eram ‘ama’ e ‘cama’”. Em verdade acabei de estragar um poema do Leminski, homem que morreu no final dos anos oitenta, antes de publicar o estudo sobre a nova década. Eu ainda não morri e tenho 24 anos. Queria ter 24 metros ou 24 litros. Com 24 quilos morreria, segundo um outro professor, esse de biologia. Tenho 24 (vinte e quatro) anos e continuo desorientado. Sou professor. Aqui queria dizer que não existe uma palavra capaz de definir a frase “perdido no tempo”. Desnorteado e desorientado não valem. São palavras sobre o espaço. E Tempo nem é um sentimento para ser tão complicado. Ainda aprendendo, descobri que Norbert Elias, um historiador, escreveu o livro A Sociedade de Corte. Ele foi capaz de construir uma história de longa duração partindo de uma estrutura simbólica. Em Elias, diferente que foi, as cerimônias, algo posto como ações mínimas, foram apreciadas com tamanha intensidade que tempo e espaço se alargaram. Bendito seja esse suposto historiador capaz de influenciar nos meus 24 metros de anos. Aprecio ver em quadros de vinte e quatro litros o que também me agrada ver na realidade. Tem professor que diz que beleza faz referência à forma que nos relacionamos com os objetos. Parece que nos sentimos inclinados a esquecer quanto existe no mundo além daquilo que antecipamos. A culpa certamente é um pouco das obras de arte. Nelas encontramos, por querer, o mesmo processo de simplificação ou seleção que se manifesta na imaginação. Peça um desenho besta de uma estrela e receberá, óbvio, algo no formato estelar, geralmente de cinco pontas e linhas retas. Mas e a história das estrelas? Se eu fosse hoje 24 palavras também seria difícil. Dizer-me ia como uma carta no cumpre anos: “Amor, não escrevamos sobre nós/ usemos o poder da palavra sobre os outros/ a receita é simples/ um pouco menos de querer Narciso é o componente total/ assim evitaremos choros de desconhecidos/ podemos invadir espíritos e dizer com entonação maiúscula: ‘esse é você’/ Não seria esse o eterno desejo humano?”.Caso possível fosse ser letra, acompanhando esse estado de transe, arranjaria alojamento nas palavras. Um alojamento que precedesse a própria palavra. Deve existir um estado emocional em que a voz é antes do abrir da boca. A palavra mais bonita da língua portuguesa, por exemplo, é barravento, significando algo como o transe que precede a posse do corpo por espíritos. Espécie de descoordenação motora. O problema é que por vezes eu tenho utilidade nessa antecipação. Nunca vi um A embotado. Deve ser esse o motivo de eu gostar de metáforas sobre o vento. “Um deus também é o vento/ só se vê nos seus efeitos/ árvores em pânico/ bandeiras/ água trêmula/ navios a zarpar/ Me ensina/a sofrer sem ser visto/ a gozar em silêncio/ o meu próprio passar/ nunca duas vezes/no mesmo lugar/ A este deus/ que levanta a poeira dos caminhos/ os levando a voar/ consagro este suspiro/ Nele cresça/ Até virar vendaval”. Novamente estraguei um poema do Leminski. Ao final o que me deixa triste é que o segundo parágrafo nunca chega. Nem por um Deus maiúsculo. Verbos poderiam ser restos de enxofre. Sujeitos poderiam ser restos de raso. Eu sempre escrevo de forma potente sobre o que gostaria de ser. Poder. O segundo, que não chega nunca, eu assopro sobre você.

 Arthur Santos da Silva é paraibano, historiador e jornalista.  

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