Por Camila Cecílio*

o dia passa circular; as horas giram o mundo e a minha cabeça. a dois passos, um tropeço. escorrego no tempo fragmentado. sobre a mesa, o feijão e o café. será que é tarde demais pra (re)começar? parece que acordei e é ontem. sei que nada será como antes amanhã, diz a canção. no sonho eu mesma me escrevo: é preciso deixar as velhas formas e fórmulas pra trás e, num pedaço de papel, rabiscar um caminho novo. as horas giram e brincam de pique-esconde, que ano é hoje? escorrego em mim mesma. deslizo no nada, um segundo em que o tempo deixa de existir. tudo para. pra eu chegar no outro preciso, antes, chegar em mim, cair — com medo ou sem — no profundo que sou, quebrar os ossos, se preciso for. só assim me recomponho, me reinvento, me refaço, pra chegar no outro que faz seu caminho até mim — e outros. linhas invisíveis, indizíveis e indivisíveis nos ligam. você sente? conexão. o tempo tem feito estilhaços por aí. o tempo tem sido silencioso, mas nunca estado estático. o tempo se movimenta e não é raso, não. é um convite pra mergulhar. me ligo a ti de outros jeitos, em outros tempos. nossa voz alcança outras esferas. nosso afeto é uma antena cósmica que paira em outras atmosferas. não por acaso, sinto agora saudades de tudo que podemos ser um dia em que os dias forem imprevisíveis de novo. aqui, do agora em que estou, já me vejo indo embora. nado nua em novos horizontes, o rio do mundo vai nos levar adiante — advérbio de esperança. guarde os abraços pra depois. embora eu não saiba quanto tempo caiba dentro de um depois. só sei agora: todo tempo e tempo nenhum. os dias rodopiam dentro da minha cabeça. o tempo que me tem escorre agora pelas margens do infinito.

*Camila Cecílio é jornalista e escrevedora das coisas de dentro da gente. 
Cuiabana, vive entre São Paulo e o interior do mato, onde encontra o fôlego e 
força necessários para continuar em busca de mistérios do viver.

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