A chuva cai. Abrem-se os guarda chuvas. Nas ruas encharcadas uma lâmina d’ água espelha os pés molhados dos passantes. Meu olhar transita pelas gotas que carregam a poeira dos dias. Na vidraça do carro escorrem respingos lentos de agonia. O trânsito para. Nosso destino é o Teatro Oficina onde o deus morto executará sua última dança.

Tum tum tum tum.

deus é morto!

A música grave marca o compassado cadenciado da morte anunciada.

Ele ainda não sabe, mas sua natureza selvática será corrompida pela indústria, pelo apelo do prazer imediato das coisas mundanas.

O deus peludo, soberano das feras que habitam as matas, o deus provedor e propiciador da magia, poderoso em sua grande estatura, com sua grande Caratonha de touro selvagem, seus chifres brilhantes e seu corpo negro e forte, seu falo gigantesco fecundando a floresta sobre a qual espalha sua glória.

Foto Cassandra Melo / Bailado do Deus Morto – Bailado do Deus Morto

Raspa os cascos no chão demonstrando a força que lhe cabe. Os animais da mata reverenciam seu rei dançando sobre a terra que lhes pertence, dedicam-lhe todo o amor que têm, mas só isso não lhe basta.

O deus quer mais, quer a experiência do prazer prometido pela sedutora vida fora dos bosques. A força misteriosa que o seduz personificada na figura da beleza da fêmea que o envolve num abraço de serpente.

O deus volta às costas ao universo original ao qual pertence. Abandona à própria sorte os animais famintos que gritam, choram, sofrem a dor atroz da perda irremediável.

Embriagado e iludido o deus cambaleia, ensurdece, cego e infeliz diante de um novo mundo que não compreende. Busca o amor mas encontra a morte. As feras da mata já não mais lamentam, elas também sucumbiram no abandono.

Foto Cassandra Melo / Teatro Oficina – Bailado do Deus Morto

Num último bailado, o deus peludo enreda-se nas delicias prazerosamente. Com a misteriosa estranha que após a cópula lhe arranca o falo. O deus agora lhe pertence, agonizante e derrotado é despido das vestes divinas que o protegiam. Seu espólio mágico é distribuído entre os seres terrenos.

Tum tum tum tum.

deus é morto!

As máscaras fascinantes dos animais não mais representam a natureza selvagem. Jazem agora ao lado dos despojos mortos daquilo que já perdeu o verdadeiro sentido.

Uma nova vida nasceu daquela cópula, uma vida humana onde corre o sangue venenoso da serpente.

Tum tum tum tum.

deus é morto!

 

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