Por Luiz Renato de Souza Pinto*

 Episódio célebre da conversão de Saulo, guerreiro romano que perseguia a Jesus Cristo e massacrava seus seguidores, a visão que se interpôs a seus olhos no caminho de Damasco tornou-se um dos episódios mais difundidos da historiografia cristã ao longo dos séculos e séculos, amém! A partir dessa difusão e da mitologia na qual se insere, o fato é que autores cristãos e não cristãos se ocuparam do evento a fim de produzir páginas curiosas da historiografia literária, além, naturalmente da literatura de base cristã.

Machado de Assis, José de Mesquita e Francisco Candido Xavier, este como psicografador de Emannuel, são alguns dos autores que se utilizaram dessa base para produzir reflexões sobre o fenômeno, uma vez que Paulo de Tarso é considerado o primeiro globalizador (sempre há quem invente um novo rótulo para tudo), devido às suas viagens para a expansão da palavra divina.

Machado de Assis e José de Mesquita, o primeiro ateu e o segundo ligado ao catolicismo ortodoxo na primeira metade do século XX, em obras homônimas discorrem de maneira paralela a oferecer ao leitor um texto que tem aspectos de metacrítica ao promover a intertextualidade. Já a obra de Chico Xavier, com a maestria de um narrador que coloca o leitor ao lado dos fatos narrados, a atmosfera que nos chega via Emannuel, espírito que dita ao velho Chico o itinerário, é revestida de uma forte tensão narrativa típica de alguns épicos da literatura universal.

Alan Kardec

Não tenho por objetivo fazer apologia aos romances espíritas, em que pese a qualidade de muitos deles, mas apenas destacar a força e a tensão dramática existentes nas obras de Emannuel, para as quais a pena de Chico em muito serviu. Os cursos de formação de trabalhadores das casas espíritas fazem uso de muitas dessas obras. Há um pentateuco formado por Há dois mil anos, Cinquenta anos depois, Paulo e Estevão, Ave, Cristo e Renúncia que formam um corpus de apoio para o estudo da doutrina sistematizada por Alan Kardec.

Uma vez em se tratando da somatória de elementos religiosos, científicos e filosóficos, a doutrina gestada em um cenário positivista europeu avança ao longo do século XX pelo mundo a fora e o Brasil passa a se destacar como uma das nações emergentes dessa corrente cristã que, apesar de recente, tem se difundido com louvor pelos quatro cantos do mundo.

Se a visão no caminho de Damasco foi algo transformador na vida de Saulo/Paulo, imagine o impacto que o perseguidor de Cristo sentiu ao perceber a grandiosidade da vida diante dessa visão. A morte do Cristo crucificado é, sem dúvida alguma, o símbolo maior do Cristianismo. A maneira pela qual se morre e as condições primitivas a que os homens eram condenados reforçam não uma heroicidade diante da morte, mas sim a convicção de que lutavam por algo que criam como verdadeiro. O legado disso para a doutrina espírita é valioso, pois, de acordo com o que KARDEC nos apresenta em O Céu e o Inferno, ou a Justiça divina segundo o Espiritismo, acerca do temor da morte,

A dúvida sobre o futuro não sendo mais permitida, o temor da morte não tem mais razão de ser; encara-se a sua chegada a sangue frio, como uma libertação, como  a porta da vida e não como a porta do nada (KARDEC, 2005, p. 15).

Quando se lê o romance de Emmanuel se tem a real dimensão da importância do trabalho do convertido de Damasco a história do Cristianismo. Essa importante obra encerra a mensagem de que é possível mudar a qualquer tempo, porém, toda mudança congrega muitas consequências. Mas fico a me perguntar, por vezes, em que medida outros caminhos de Damasco estão demarcar os passos, dividir territórios, separar ascendentes árabes de judeus. E em que medida Estados Unidos da América do Norte e Rússia tem direitos de se meter em territórios distantes de suas posses de maneira a intervir diretamente na qualidade de vida, no livre arbítrio de outros povos? Por que a perseguição ao mundo árabe, sua doutrinação e até mesmo aculturação em pleno século XXI? As crianças sírias sendo devassadas,  tal qual se fazia na Roma antiga, e em nome de Deus.

Em O Livro dos Espíritos, Kardec na questão de número 259 pensa que:

(…) Se o Espírito quis nascer entre os malfeitores, por exemplo, ele sabia a que arrastamentos se expunha, mas não cada um dos atos que viria a praticar, e que são resultado de sua vontade ou do seu livre-arbítrio. O Espírito sabe que escolhendo tal caminho terá de suportar tal gênero de luta; sabe, também, a natureza das vicissitudes que enfrentará, mas não sabe quais os acontecimentos que o aguardam. Os detalhes dos acontecimentos nascem das circunstâncias e da força das coisas. Somente são previstos os grandes acontecimentos que influem no seu destino. Se tomas um caminho cheio de sulcos profundos, sabes que deve tomar grandes precauções para não caíres, e não sabes em qual deles cairás; pode ser, também, que não caias se fores bastante prudente. Se, passando por uma rua, uma telha te cair na cabeça, não creias que estava escrito, como vulgarmente se diz (KARDEC, 2009, p. 116).

Não se trata de consolo, mas os malfeitores que aguardem. O natal está chegando, muitos sequer lembrarão do nascimento de Cristo, até porque a data não está realmente comprovada ser essa q que se comemora. O Papai Noel vai continuar chegando de roupa de frio, muitas pessoas continuarão a colocar algodãozinho nas árvores, como se aqui no Brasil o evento acontecesse no inverno e corações frios se aquecerão ao som de qualquer ritmo sonoro e diversificadas graduações alcoólicas.

Dê livros nesse natal. Um bom livro pode mudar a vida da qualquer pessoa!

REFERÊNCIAS

KARDEC, Alan. O que é Espiritismo. 74 ed. Araras-SP: IDE, 2009.

_____________.  O Céu e o Inferno. Ou a Justiça Divina Segundo o Espiritismo. 58 ed. Araras, SP: IDE, 2008.

EMANUEL [psicografado por] Xavier, Francisco Candido. Paulo e Estevão. 45 ed. Brasília: FEB, 2014.

*Luiz Renato de Souza Pinto é professor, escritor, poeta e ator.

 

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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