Manuel Bandeira, o poeta do modernismo brasileiro, descreve um dos sentimentos mais comuns e que mais podem nos afetar ao longo da vida: a rejeição. Em um poema ideal para ler em voz alta para as crianças, ele relata uma situação em que foi rejeitado, a partir de sua memória de infância. De maneira leve e lúdica, o poeta nos convida a ter um outro olhar sobre esse tema que pode ser, muitas vezes, tão doloroso de reviver.

Ele escreve o seguinte:

“Quando eu tinha seis anos
Ganhei um porquinho-da-índia.
Que dor de coração me dava
Porque o bichinho só queria estar debaixo do fogão!
Levava ele pra sala
Pra os lugares mais bonitos mais limpinhos
Ele não gostava:
Queria era estar debaixo do fogão.
Não fazia caso nenhum das minhas ternurinhas…

— O meu porquinho-da-índia foi a minha primeira namorada.”

Quando falamos em rejeição, podemos pensar em corações partidos, trabalhos rejeitados ou em antigas memórias de quando brincávamos sozinhos no parquinho, excluídos pelas outras crianças. Faz parte desse sentimento, inclusive, a vergonha de sermos escolhidos por último nos times de futebol durante as aulas de educação física, ou rechaçados por colegas.

O cinema, a literatura e as artes plásticas também estão, desde muito tempo, repletos de histórias de rejeição. Na China do século X, por exemplo, pinturas já representavam claramente esse sentimento. Na cultura pop não é diferente. Filmes como “Meninas Malvadas” ou “Ele não está tão a fim de você” ilustram comicamente alguns exemplos. E eu nem preciso falar nada da música sertaneja que você adora cantar enquanto “curte” aquela fossa.

Mas falando sério, é preciso deixar claro que existem várias formas em que a rejeição pode ocorrer, seja ela ativamente, por meio de práticas como a ridicularização e o bullying, ou de forma passiva, ignorando alguém. Só um parêntese: vamos deixar para um outro tópico a discussão sobre a exclusão social, de raízes sócio-econômicas profundas.

A ciência da rejeição

Então quer dizer que nosso porquinho-da-índia interior faz parte do que significa ser humano? Sim e sim. Afinal, somos seres sociais e o pertencimento é tão importante quanto o ato de comer ou beber água. Não é a toa que o medo de ser excluído por outras pessoas pode gerar frustração e sofrimento, além de afetar a nossa própria autoestima.

Uma pesquisa feita por cientistas da Universidade de Michigan, inclusive, demonstra que a rejeição se equipara até a uma dor física, já que as mesmas regiões do cérebro são ativadas. Se é um coração partido após um pedido de namoro mal-sucedido ou um joelho ralado no asfalto depois de um baita tombo de bicicleta, nesse caso a dor é sempre muito intensa.

Mas ao contrário da dor física, a psicológica pode ser revivida durante anos, por isso é preciso alerta máximo. É particularmente difícil quando a rejeição atinge um nível tão consistente e prolongado que parece impossível de lidar ou quando não conseguimos compreender nossos sentimentos e aceitar algumas situações. Na busca por pertencimento, corremos até o risco de nos sujeitar a grupos de pessoas que nos fazem mais mal do que bem.

Coronavírus e mindfulness

Vivenciar a rejeição pode ser ainda pior em tempos de pandemia. Já não basta termos que, obrigatoriamente, nos isolar e nos distanciar socialmente. Um indivíduo rejeitado pode ver esse sentimento se multiplicar estando isolado ou quarentenado dentro de casa.

Por outro lado, pessoas com maiores níveis de atenção plena e tendência a manter o foco no presente (ou “mindfulness”, pra falar a palavra inglesa da moda), são mais capazes de lidar com a dor de serem rejeitadas. É o que diz um estudo publicado na revista Social Cognitive and Affective Neuroscience (“Neurociência Cognitiva e Social Afetiva”).

Calma, não estou dizendo pra você pegar o primeiro livro de autoajuda com a palavra “mindfulness” no título e achar que você encontrou a cura de tudo. Mas é fato que estudos como esse são essenciais. Eles podem se mostrar uma porta de entrada para compreendermos melhor nossas funções cerebrais e o papel da atenção plena na regulação de experiências emocionais negativas.

Família ê, família á

Experiências de rejeição podem começar ainda na infância e a família é quase sempre o ambiente mais propício pra isso. Se uma criança é pressionada a sempre tirar notas altas, por exemplo, há grandes chances de ela se frustrar na escola e na faculdade. Se é também ignorada por uma mãe ou pai ausente ou “presente-ausente”, as consequências podem variar desde comportamentos impulsivos, ansiosos, anti-sociais e instáveis, até depressão e violência.

Às vezes aquela simples “birra” ou aquela “mania de chamar atenção” diz muito mais sobre o seu comportamento como mãe/pai. Talvez seja bom frear o uso do celular e realmente dialogar, cara a cara, com o seu filho. Mas é claro que ninguém precisa se sentir culpado/a. Não é fácil saber o que se passa na cabeça do outro quando há milhões de tarefas a se fazer (principalmente no caso das mães), mesmo sendo parte de sua família ou outro círculo social.

Mesmo assim, é importante tentar observar alguns sinais para evitar que crianças e adolescentes não manifestem esse tipo de sentimento de forma recorrente e possivelmente danosa. A busca obsessiva por aprovação, auto-isolamento em excesso e pensamentos pessimistas recorrentes podem ser alguns deles.

Alguns pequenos atos como confortar e validar as experiências das crianças e adolescentes pode ser um bom começo para que eles consigam exercitar seus “músculos psíquicos”. Todo mundo merece saber que também é amado por quem são e não por suas eventuais conquistas ou derrotas. Mesmo assim, não dá pra exagerar. Super-proteger não é o caminho e o melhor a fazer é tentar resolver os problemas juntos, deixando que a criança tome as rédeas.

Quem? Eu?

Sim, você. Já pensou na possibilidade de que você mesmo/a possa estar sofrendo com a tal rejeição e nem sabe muito bem como lidar com isso?

Nesses casos, amigos próximos e familiares são uma ótima opção para servirem como verdadeiras redes de apoio. Quando nos rodeamos de pessoas que nos ouvem atentamente e sem julgamentos, a tendência é lidarmos melhor com as dificuldades. Mesmo que seja por meio de uma mensagem de texto, uma ligação de áudio ou uma vídeo-chamada.

Pessoas de todas as idades precisam estar na companhia de outras com quem possam conversar, compartilhar experiências e sentimentos, além de ensinar e aprender mutuamente. É claro que ajuda profissional é sempre bem-vinda, mas é bom tentarmos pelo mais básico também. Sacudir a poeira e seguir em frente é gratificante quando temos ajuda para isso.

O processo de rejeição se mostra ainda como uma oportunidade de aprendizado interior para entendermos melhor sobre nós mesmos e os nossos sentimentos. Reconhecer nossas emoções e não deixar que a rejeição defina quem somos também é um passo importante. Liberte o seu porquinho-da-índia interior e siga o seu caminho.

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Jornalista mato-grossense formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul) e aluna de mestrado no programa de Divulgação Científica e Cultural da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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