Em meio a uma pandemia sem precedentes, onde os mais vitimizados nos Estados Unidos são as pessoas de cor, o mundo viu estarrecido as imagens angustiantes de George Floyd pedindo para respirar, enquanto um policial branco amassava o seu pescoço com sua botina, durante oito longos minutos. George Floyd morreu e se tornou mais um símbolo da luta histórica contra o racismo.

O Brasil com seus quase 400 anos de escravidão é protagonista em manchetes de jornais que estampam as mortes de crianças negras, vítimas do racismo estrutural. Seja pela ação de policiais que agem com a tutela do Estado, implementando uma necropolítica, que visa exterminar a população negra brasileira, seja pela negligência da patroa branca que deveria olhar o menino Miguel, enquanto sua mãe, a empregada doméstica levava o cachorro da família para passear.

Esse é o cotidiano que aflige mais da metade da população brasileira, especialmente as mulheres negras, que estão na base da pirâmide social e carregam o país nas costas. As micro e macro violências do racismo estrutural foram escancaradas nesse período de isolamento. Uma onda de comoção tomou as redes sociais. Mas, a pergunta que fica é: por que só agora? Por que só quando pessoas morrem com seus rostos agonizando diante das câmeras, nós brancos, paramos para denunciar o racismo e contribuir com essa luta?

O racismo está no centro do debate hoje. Mas, e amanhã quando a comoção por George Floyd diminuir e as notícias brasileiras seguirem relatando o cotidiano de morte de crianças e jovens negros? Subiremos hashtags? Publicaremos fotos em nossas redes? Doaremos para iniciativas de combate ao racismo e à discriminação racial?

As pessoas negras estão cansadas. Estão cansadas de falar o óbvio, de serem cobradas – por nós brancos – que se posicionem, que expliquem sobre racismo, que se debrucem sobre suas dores para que finalmente possamos ver quantas marcas, cicatrizes, e mortes foram causadas pelas nossas mãos brancas?

Eu preciso falar sobre branquitude e privilégio branco. Esse é o meu lugar de fala. O lugar de fala de uma mulher branca, de classe média, que se sair na rua carregando uma BOMBA, não será parada pela polícia. Essa é a minha realidade. A outra realidade é a das pessoas negras, que se saírem de casa sem portarem seus documentos pessoais, podem ser presas. O meu lugar de privilégio precisa romper com essa culpa branca que carrego e virar ação, estratégia, algo que possa efetivamente mudar esse estado de morte e dor.

No ano passado tive a oportunidade de acompanhar uma série de audiências públicas sobre as diversas realidades brasileiras. Uma delas foi sobre violência policial. E eu nunca vou me esquecer dos relatos, da dor viva, em cada uma das pessoas que compartilhou uma história sobre isso. Lembro que a mesa de “autoridades” estava composta, em sua maioria, por pessoas brancas: eram pesquisadores que apresentavam dados e números importantes sobre a morte sistemática das pessoas negras pelos policiais no Brasil. Eis que chega a deputada estadual, mulher trans e negra, Erika Malunguinho. Deram três minutos para sua fala. Ela usou esses três minutos como forma de protesto e evidenciou o racismo estrutural que acontecia ali diante de nossos olhos. Quando uma pessoa negra vai relatar a sua experiência sobre violência policial, ela recebe três minutos. “Em três minutos eu não consigo apresentar a minha linha de raciocínio”. Ela se levanta e sai, deixando a mesa perplexa. O auditório, em sua maioria ocupado por pessoas negras, também se levanta e a aplaude. Foi um momento inesquecível e dolorido. Dolorido porque mesmo quando tentamos acertar, erramos, porque não olhamos para os nossos privilégios e não os reconhecemos. Para nós, são direitos conquistados. Mas conquistados com o sangue de quem? Com o sofrimento de quem?

Temos muitos estudos e dados que nos mostram quem são as maiores vítimas de violência, quem são as pessoas mais assassinadas no país, quem são as pessoas mais vulneráveis social, econômica e politicamente. Não temos dúvidas quanto a isso.

Nós já sabemos e conhecemos essas respostas. Nós temos é medo de enfrentar as perguntas. Quando sairemos do nosso pedestal? Quando serão os nossos corpos a morrerem com tiros de policiais que adentram em nossas casas sem qualquer permissão jurídico-legal para isso?

As pessoas negras estão cansadas de viver tudo isso na pele e ainda serem criticadas quando não nos explicam aquilo que não queremos ver. Porque a verdade é que somos um país racista, forjado no sangue de pessoas negras e indígenas, que deram suas vidas para uma colônia que nunca deixou de ser colônia.

A comoção branca das redes por George Floyd não é a mesma por Ágatha, João Pedro e Miguel.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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