As cenas do cotidiano retratam toda a diversidade brasileira. Nos subúrbios da nossa brasilidade, o colorido do carnaval, os tons escuros no descanso dos trabalhadores, o vermelho-rubro nas bocas das mulheres, com olhos inocentes ou com os corpos nus expostos como mercadoria nos prostíbulos, as cidades, as periferias, a natureza e a ação do homem que a afeta direta e irremediavelmente.

Todas essas imagens fortes pinceladas nas cores vibrantes de Di Cavalcanti estão em exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo até o dia 29 de janeiro. “No subúrbio da modernidade – Di Cavalcanti 120 anos” reúne pinturas que revelam os submundos frequentados pelo pintor, a poesia de uma paisagem da cidade ou da natureza, pessoas trabalham ou festejam nas ruas o carnaval, um peixe morto envenenado pela interferência humana no ambiente. São 200 obras, muitas delas vêm a público pela primeira vez e perpassam uma produção de quase seis décadas.

Os prostíbulos rondam a sua imaginação, com mulheres volumosas, corpos nus e muitas cores. Em um destes, Di insere metade de seu rosto e um pincel em mãos enquanto uma prostituta é observada por um homem à espreita e um casal se abraça.

Di Cavalcanti transita entre desenho, charge e pintura, em um universo de possibilidades narradas com sagacidade, poesia e mistura. Críticas ácidas e irônicas destilam a política, a religião, a cultura. Não poderia ser mais atual: o passado pintado por Di Cavalcanti como uma releitura ou seria uma previsão de onde estaríamos no presente quando ele imaginou o futuro?

“Di sempre manteve estreita a ligação entre arte e política. Para ele, o trabalho de arte deveria estar comprometido com uma missão social, a ‘revolução’.”, traz em texto a exposição.

Os tempos parecem se confundir enquanto avanço pelos quadros.

“Um dos aspectos que particularizam a obra de Di Cavalcanti no modernismo brasileiro é seu interesse pelo submundo de cidades em processo de urbanização, em grupos de pessoas nas ruas, bares, pensões, bordéis, cafés-concerto. O foco de Di Cavalcanti está nos personagens, mais que nas áreas geográficas: está nos grupos da boêmia, do bas-fond, em mulheres à janela, ou nos becos, ou deitadas.”

A justaposição das figuras humanas e construções arquitetônicas até o preenchimento da área de papel é uma de suas características. “O resultado sugere, aqui, um espaço urbano superpopuloso, com pessoas que não interagem umas com as outras, em meio a edifícios; onde, portanto, seres e objetos estão fora de escala, onde tudo é desmedido”, destaca o texto da exposição.

São corpos em movimento, que ocupam seus espaços, transformam significados e reforçam singularidades de muitos brasis dentro de um só.

De 1920 até o fim de sua trajetória, Di Cavalcanti retrata as rodas de samba e os cordões de carnaval e acompanhou com seus traços, a evolução das festas de rua. “O contexto dessa produção remonta a um momento de virada no significado dessas manifestações para a cultura do Brasil: da criminalização de grupos carnavalescos pela polícia do Estado, no começo do século XX, sob a acusação de que seriam “grotescos, sujos e violentos”, para a consagração nacionalista do samba e do carnaval na Era Vargas (1930-1945), alçados a símbolos da pátria, a expressões espontâneas de um povo, “frutos do clima, do meio, da paisagem” e, nesse sentido, um folclore: genuinamente brasileiro, livre de influxos externos, apesar da matriz africana da música”.

Essa alegria, superação, trabalho, paixão, desejo, poesia e ritmo são palpáveis em todas as obras e revelam este olhar afetivo do pintor nas cenas e emoções que captou através de seus pincéis. É um brinde à diversidade e às diferentes narrativas de uma sociedade tão complexa quanto a nossa.

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