Por Caio Mattoso*

Eu não troco minha solidão pela sua companhia. Nem uma coisa nem outra está à venda, senhor passageir@. O faturamento (no mundo) da Uber em 2018 foi de 50 bi. Bee, será que essa grana é grana pra caramba? Vem, cá, quanto eu fiz nas minhas 800 corridas? Uns 7 mil reais mais ou menos, no meu mediano cálculo.

Estou ni Cuiabazinha.

Quanto fez a cidade em impostos municipais em 2018? O imposto de Cuiabá em 2008 (dois mil e oito) foi de 1,6 bi. Nesse mesmo ano, foram arrecadados 196 milhões em IPVA (imposto sobre automóveis) pelo Detran de Mato Grosso. Como percebeu, os números me acompanham, mesmo eu mudando de assunto:

Recebi uma chamada. Perto do Shopping Estação. Uma senhora e uma criança. Parei o carro e elas entraram. Dei início à corrida. Elas entraram. A filha (eu acho) devia ter uns 7 anos, a mãe uns 30 e poucos. Essa corrida, pelo que me lembro, era a última do dia, eu tinha compromisso a seguir. Não estava cansado, mas quase apressado. Saí. Acelerei levemente o carro, claro. Motorista bom é vivo e atento, diferente do poeta, que é bom morto e sem dinheiro para sapatos novos. As portas traseiras foram abertas e as duas foram fechadas. Olhei para o mapa do aplicativo, dei a seta. O carro, enfim, em movimento. Ouvi uma mulher gritando desesperadamente. Olhei pelo retrovisor como se estivesse recebendo um choque. Imediatamente imaginei que a criança tinha aberto a porta e eu a atropelado. Pela retrovisor era a mãe, correndo e gritando. Levei outro choque. Imaginei que estava arrastando o corpo da criança. Tudo muito rápido. Me deu uma dor em tudo. Parei o carro.

Olhei para o banco de trás. A menininha estava lá, sozinha, sem dizer um nada, com cara de sempre de toda criança, inocente e como se estivesse feliz. Soltei um alívio. Como se fosse uma ventania que passou, a mulher entrou. Esbaforida. Eu soltei um – ai meu deus. Ela retrucou: menino do céu. Disse eu: moça, me desculpa, eu não ia roubar sua filha. É sua filha, né? – Sim, respondeu ela, e eu, continuando a pedir desculpas, como se meu corpo todo falasse.

A corrida continuou até a rodoviária. Fomos conversando, falei das minhas filhas, da minha vida, quase gaguejando, com o coração batendo forte, demonstrando assim que eu não tinha interesse em fazer mal pra ela ou pra sua filha.

Ela, a mãe, foi entendendo porque mais perigo ali seria insuportável.

O nervosismo foi passando, tanto meu quanto o dela, tudo tão rápido que não sei se o silêncio da criança foi por não perceber ou por ter se assustado também, pois o grito de sua mãe não foi ouvido muito bem de dentro do carro por conta das janelas fechadas. E sim visto por mim pelo retrovisor. No final da corrida, no decorrer da conversa, demos boas risadas, rindo do acontecido que passou perto de uma história de horror por não confirmar o aperto dos cintos de segurança.

 

Caio Mattoso é poeta, compositor, músico, filósofo, ator e motorista de Uber 
nas horas vagas.

 

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