Por Sissy Cambuim*

Isso aqui é pra falar de mim. E isso é a primeira coisa que você precisa entender. Eu tenho uma resistência absurda em aceitar o termo “feminista”. Acho que nenhum tipo de “ismo” cabe em relação a gênero. Nem machista, nem feminista. Nem macho, nem fêmea. Humanos. Somos todos humanos, cada um com seu gênero que, diga-se de passagem, nem se resume às duas palavras anteriormente citadas. Mas enfim…

Não precisa de mais de um parágrafo pra você pensar que toda essa “enrolação” é coisa de mulherzinha. Explicar demais. Explicar. Falar. Tudo coisa de mulherzinha… Discutir relação, problematizar, mimimi – ah, isso é coisa de mulherzinha. Chorar, rir, se emocionar, abraçar … coisa de mulherzinha.

Brincar de boneca – se imaginar cuidando de uma pessoa. Brincar de panelinha – se imaginar cozinhando. Tricotar, fazer crochê – se imaginar acalentando o frio. Tudo isso é coisa de mulherzinha.

Tudo isso que você experimentou desde que acordou. O sentimento de aconchego ao dormir. Nem que seja a lembrança do cheiro de café ao acordar. Aquele sentimento de fome perto da hora do almoço. Se você sentiu, pensou, lembrou, você também é mulherzinha.

Ser mulherzinha é ter memória, é ter vivência, é experimentar a vida. É ser humano. É ser!
Mas eu sei que você ainda está pensando que isso é papo de mulherzinha. Então vamos falar sério. Vamos falar de cosias de macho?

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Que tal falar de cuidar da família? De superar adversidades? De parecer forte pra aguentar o tranco?

Porra! Mas quando eu penso nisso, eu tenho muita certeza que isso é coisa de mulherzinha! Sabe por quê? Você já olhou a rua ao seu redor? Já reparou na fila da farmácia, do supermercado?

Já viu uma manhã fria em Cuiabá, gente de chinelo no pé, acordando cedo, preparando comida, filho debaixo de um braço, sacola no outro; duas, três conduções e um destino: a penitenciária.

A Penitenciária Central do Estado (PCE) tem aproximadamente 2200 reeducandos. O número flutua até a margem dos 2400. Todos homens. Quarta-feira é dia de visita. Entrada das 8h às 11h30. A fila faz voltas.

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Foto Regina de Grammont / Rede

E nessas voltas que a fila faz a gente encontra muita história, muita garra, muita determinação, muito sofrimento, muita luta. A gente só não encontra homens.

Não é que os detentos não tenham filhos, irmãos, pai, amigos… Acho que não. Das mais de 200 pessoas que foram visitar um reeducando na PCE naquela quarta-feira, não se contavam dois homens.

Afinal de contas, empatia, cuidado, carinho, compaixão, segurar a barra… Ah, isso é coisa de mulherzinha, né? Homem que é homem não chora (não fora das grades, não perto do leito de hospital vendo o filho padecer). Pra não chorar, não sentir, não se emocionar, não cuidar, não assumir a responsabilidade, enfim, pra não fazer nenhuma dessas coisas de mulherzinha.

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“Ah, mas é bem coisa de mulherzinha gostar de bandido! Quem fez coisa errada tem que se ferrar mesmo!”. É assim não? Porque o amor acaba. Porque um dia te disseram que era coisa de mulherzinha esse lance do amor incondicional de mãe pra filho (e por que não de pai pra filho?). Certamente também te disseram que era coisa de mulherzinha não abandonar alguém diante de um obstáculo. Coisa de macho era segurar a bicicleta do seu filho pra ele aprender a andar sem rodinha. Segurar por cinco minutos e soltar, sabendo que ele pode cair. Coisa de macho era dar risada na hora do tombo. Falar que vai passar. Coisa de macho é rir da ferida cicatrizada. Coisa de macho é passageira. Coisa de macho é largar mão.

Coisa de macho é ouvir, lá atrás, que isso ou aquilo é coisa de mulherzinha e acreditar a ponto de esquecer o que é a coisa de ser humano, afinal, duvidar do que te falam, também é coisa de mulherzinha.

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Tem coisas que precisam parecer rasas, até meio sem graça. Sabe quando você olha para um espelho d’água. Aquela lâmina de água ali só para refrescar, embelezar o ambiente? Aquilo acalma.

Águas profundas perturbam. Geram incertezas, dúvidas e até um pouco de desespero. 

Profundidade assusta. Mas pode te fazer pular de cabeça.

Falar de coisas de mulherzinha é uma dessas coisas que precisam ser rasas. É assim quando você ouve a expressão pela primeira vez. Ninguém te explica. Ninguém sente.

Quando aquele menino, do alto dos seus três anos achou graça no rodar da saia da irmã, só disseram pra ele: isso é coisa de mulherzinha!

Quando o vizinho dele foi pra escola e voltou chorando após uma briga, ele também ouviu que era coisa de mulherzinha.

A professora saiu cansada dessa escola e chamou as amigas para um happy hour. “Bora tomar uma porque shopping-cinema-comédia romântica é muito coisa de mulherzinha”.

Nunca pareceu algo bom. A expressão já vem diminuída. Ninguém quer ser mulherzinha.

Mas tinha um guri que de tanto ouvir que as coisas que ele gostava eram coisas de mulherzinha, cresceu e virou um baita mulherão da porra.

Cheio de atitude. Sem medo de ser quem é. Sem medo de sentir. Cheio de incertezas sim, mas cheio de coragem.

Ele já não era mais um espelho d’água. Aquele guri se transformou em águas profundas. Aquele guri poderia te afogar.

Era envolvente como o mar. Não queria apenas estar – tal qual água parada no cercado – era movimento. 

*Sissy Cambuim é jornalista

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