Luíza Volpato

O sofrimento psíquico possui aspectos que se tornam visíveis em tempos e sociedades diversos, de tal forma, que as dores e angústias emocionais narradas nas mitologias e em textos escritos em um determinado momento façam sentido também muito tempo depois.

É o caso das tragédias gregas, por exemplo, que analisam a partir de determinados parâmetros, sentimentos humanos que causam sofrimento ainda hoje. E é por terem sido capazes de captar esses aspectos presentes na alma humana que autores como Shakespeare, Cervantes ou Machado de Assis têm seus textos lidos, em tempos distintos, mantendo sua contemporaneidade no que diz respeito ao sofrimento humano.

Mas as dores emocionais também se apresentam de forma específica em um tempo determinado ou se revestem de traços próprios da época em questão.

Imagem Pixabay

Atualmente, casos de distúrbio alimentares, consumo de drogas (lícitas ou ilícitas), vigorexia, consumismo e depressão, parecem mais prevalentes do que em outras épocas. Embora vários desses distúrbios tenham sido identificados e descritos em outros momentos, sua frequência e roupagem atual levam a pensar sobre a sociedade que os produz.

Desde meados do século XX, o mundo ocidental tem sido palco de intensas mudanças, tanto no que diz respeito aos avanços científicos e tecnológicos, como também às normas e práticas que regem as sociedades.

A autoridade hierarquicamente constituída passou a ser questionada, as mulheres, graças a meios contraceptivos eficazes, entraram no mercado de trabalho e puderam exercer de forma mais livre e segura sua sexualidade.

Os desenvolvimentos tecnológicos tiveram grandes avanços nas mais diversas áreas, sendo que as mudanças relativas aos meios de transportes e das comunicações, alteram as noções de distância e a percepção de passagem do tempo.

Além disso, mudaram as formas de aquisição e divulgação do conhecimento. Livros e aulas passaram a conviver com áudios, vídeos, e várias outras formas de transmissão de informações online.

Quando em 2020, o mundo foi acometido pela pandemia do novo coronavírus, a covid 19, meios de trabalho, escolarização e diversão pela internet já eram possíveis e foram adaptados à nova situação.

Essas formas de comunicação online, que têm sido muito valiosas em tempos de isolamento social, disseminaram novas formas de apreensão do conhecimento e ao mesmo tempo ampliaram a divulgação de informações falsas ou superficiais.

Afirmações de especialistas são confrontadas com dados obtidos em sites de pesquisa e, se por um lado deixam de existir verdades absolutas, por outro a ausência de parâmetros confiáveis gera insegurança e dúvidas.

Imagem: Pixabay

Na contemporaneidade, a existência de vários aplicativos e de redes sociais, alteraram as formas dos contatos profissionais e pessoais. Facilitaram as formas de comunicação, mas aumentaram as maneiras de exposição de pessoas, empresas e acontecimentos.

A exposição excessiva, nas mídias sociais, transmite imagens de uma vida, muitas vezes fictícia, onde pessoas se mostram a todo momento realizadas e felizes.

O sucesso tem nova medida, qual seja, o número de aprovação (likes) ou o número de seguidores que cada um consegue em suas páginas nas mídias sociais. Surge novo espaço de competição e disputa: o número de seguidores e aprovações nas mídias sociais.

Como a disputa ocorre no nível individual, agudiza a competição e arrefecendo os espaços de companheirismo e solidariedade, ampliando a sensação de solidão e desamparo.

Na busca de aprovação em fotos e posts, a imagem ideal é insistentemente buscada, definindo novas formas de relacionamento com o próprio corpo e de apresentação, bem como a busca do cenário propicio a belas fotos a serem divulgadas.

Nesse contexto, a relação com a aparência física toma novas proporções. Obter o corpo ideal é visto como compromisso de cada um, seja no seu aspecto estético como no referente à saúde. E estar fora dos parâmetros vistos como ideais é da responsabilidade do indivíduo que não se esforçou o suficiente para tanto.

A busca incessante desse ideal de beleza, além da frustração e sensação constante de inadequação, pode desencadear distúrbios psíquicos ligados ao corpo, como os distúrbios alimentares, a vigorexia, entre outros.

Na medida em que não há regras claras a obedecer, nem uma autoridade inquestionável, cada um passa a ser responsável pelas suas escolhas e portanto, responsável por sua vida, não podendo debitar ao outro a responsabilidade por seu sucesso ou seu fracasso.

Se por um lado essa ausência de uma autoridade e de normas rígidas significa liberdade, por outro pode trazer a sensação de desproteção e desamparo.

Numa sociedade que desvaloriza o esforço, a determinação, a disciplina e a perseverança, o fracasso é sentido como aniquilador. O sucesso não é visto como fruto de uma trajetória, na qual as frustrações podem estar presentes e sim como resultado imediato de uma única tentativa.

Como essa expectativa não condiz com a realidade, a tentativa frustrada é sentida como um fracasso total, gerando problemas como a depressão, a ansiedade, entre outros.

Como já foi dito anteriormente, esses problemas não são novos. Mas as características da sociedade atual, altamente individualista e competitiva, onde os espaços de solidariedade e companheirismo vêm se esvaziando, eles se tornam mais presentes.

Luiza Rios Ricci Volpato, mestre e doutora em História/ USP; Psicóloga/UNIC; membro do IHGMT, do Conselho Editorial EdUFMT. Psicóloga clínica. Livros publicados: Entradas e bandeiras (Global), A conquista da terra no universo da pobreza (INL/HUCITEC), Cativos do sertão (EdUFMT, Março Zero), Máscaras (Entre Linhas)

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