Flash Fiction é um blog criado pelo escritor Santiago Santos, um cuiabano de Blumenau, que chamou minha atenção pela qualidade e quantidade de textos produzidos. No início escrevia quase que diariamente para depois chegar a uma frequência semanal. Encontrou aí o tempo para respirar e ultrapassar a marca de mais de 350 textos já publicados. Suspense, faroeste, invenção, terror, comédia, realismo, mistério, medieval, experimental, enfim, uma profusão de gêneros e sub gêneros literários pra todo gosto.

Ilustra 1 Flash FictionA narrativa é uma invenção de cada época. Cada tempo exige uma forma. Dinâmica e temporal-izadora, ela é dominante em seu próprio arcabouço. Tudo vem em medidas aprisionadoras ou libertadoras. Não há termo que consiga ocupar o meio de campo. Existem tentativas.

Santiago dá uma flechada no alvo. Acerta no tempo e na velocidade das escolhas narrativas em franco diálogo com a tradição literária, no sentido de que explora as várias possibilidades da escrita no âmbito do texto curto.

Pote-Flash-Fiction-com-fundo-brancoAchei algo (clique) aqui meio James meio Joyce: (o título) QUEROVÊRROBÁ UMTROÇASSIM QUINUMVALEUM-ÁH LÁDONDEUVIM

Flash Fiction tem várias categorias literárias para você escolher, entre um abismo e outro. Achei algo leve, depois algo pesado feito metal rock n roll, des-achei coisas também, bem ao sabor de Barros, o Manoel, aquele das coisas do pântano. Terror fiction, comédia, entre gêneros e sub gêneros, sub-traídos sabe-se lá da cachola do Santos, o Santiago: esse menino grande, cara de gigante e jeito de menino.

Brinco assim para dialogar com a liberdade sub-cutânea do texto literário. Uma questão de cútis, de pele, de paixão à primeira visita. Flas- the flash, fiction, no fiction, científica ou não. Literatura não tem compromisso com nada. Ou, pelo menos, não deveria ter. O que vale é a escrita ou o coração que escreve e tenta descrever a mente um tanto aflita. Ana Cristina César diria: Tanto Faz!

vitrine principalQual é a do nosso tempo que nem tempo temos mais para debruçar sobre os livros, quando os livros e.books é que são palatáveis, tão digitais, o gosto do dedo, o desgosto da língua, via linguagem, assim somos arremetidos às mais fantasiosas invenções humanas?

A literatura sempre passa pela crise dos autores dentro de uma noção de mercado de trabalho. Como deve trabalhar um escritor? Vai viver de que? Ganhar grana com o que? São coisas práticas que ninguém escapa. Na maioria das vezes os artistas parece que têm obrigação de só fazer trabalhos beneficentes. Quando se fala em grana é um Deus nos acuda. O escritor come as letras que o Diabo escreveu.

O padeiro vive do pão que faz, o músico da música que toca, o sapateiro assalariado hoje é escravo da Nike (escravidão dos costumes e do trabalho), e o escritor de ficção ou o poeta, vive de que? Vive de fome e morre de esperar. Esperança só morre depois da gente. É o que dizemos por aí pra alimentar nossa vã poesia.

O papo agora é com o escritor, entre perguntas e respostas um mar de interrogações e constatações, vamos lá:

santiagoSantiago, de onde você veio? Santiago Santos – Blumenau, aos seis anos cheguei a Cuiabá e fiquei.

Por que o Blog Flash Fiction? Santiago Santos – O Flash nasceu em 2013. Apesar de pirar em ficção científica eu relutei bastante em entrar pro mundo alucinado das redes sociais. Pulei o Orkut, nunca me dei bem com o Twitter. Acabei entrando no Facebook lá pra 2013, já escritor e já me colando nisso como ferramenta de trabalho antes de muro de anotações pessoais e compartilhamento de intimidades (tenho minhas críticas à exposição excessiva, mas não vou ser hipócrita, cometo meus deslizes). Me linkei a uns escritores que gostava e umas páginas culturais e a vários amigos e ia filtrando os conteúdos que achava interessantes. Mas sentia falta de ficção. Sentia falta de conteúdo denso espalhado ali entre fotos e gifs e memes e vídeos engraçaralhos. Pensei que nada mais natural que produzir, ao invés de apenas reclamar.

Até então eu trabalhava sobretudo com contos maiores, com pirações seriadas e tentativas de romances. A produção de textos no formato flash fiction (que nada mais é que o termo em inglês pra miniconto, variando entre 300 e mil palavras) era novidade pra mim. Mas, pensei, seria a única coisa que funcionaria pra fugacidade do leitor costumeiro de timeline. E teria que começar fisgando. Se a primeira frase é tudo num conto, num miniconto ela é crucial. É tipo sal na receita. Sem ela, o cara nem dá a segunda mordida. Foi um desafio autoimposto então, de produzir essas ficções breves e postá-las diariamente. Em um mês eu percebi que ficaria louco tendo que produzir todo dia (nem pelo desafio em si de escrever todo dia; quem escreve normalmente já faz isso. Mas pela falta da possibilidade de refinar o texto e de, eventualmente, descartar uma produção que ficou abaixo do nível). Fui reduzindo a periodicidade até que em 2016 chegou ao ritmo semanal. O projeto caiu no gosto de vários leitores e, mais particularmente, no meu.

E esse passeio por gêneros e sub gêneros ipsis literis, é vocação ou é busca? Qual é a sua?  Santiago Santos – Tarado pela confluência de gêneros, vindo de um mundo nerd-alternativo altamente escamoteado (isso mudou bastante; hoje ser nerd é pop) mas ao mesmo tempo mergulhando no mainstream e vendo coisas boas de todos os lados, percebi que o Flash Fiction enquanto projeto poderia ser um laboratório ilimitado, pra escrever o que desse na telha, infectado naturalmente pelo que eu estivesse lendo/assistindo/ouvindo no período e pela gana mais ou menos presente de brincar com a forma literária. Daí que já saiu drop (como defino os textos publicados no Flash Fiction; de degustação rápida) de tudo que é tipo; de comédia a terror, de fantasia medieval a policial, de ficção científica futurista a realismo contemporâneo, de ficção histórica a adivinhas, enigmas, cifragens, hermetismos e diálogos puros. É justamente esse caldo imprevisível e sem amarras que revitaliza meu próprio interesse pelo projeto e continua impulsionando a produção.

Confesso que foi depois de começar a produzir a ficção breve é que corri atrás do que já tinham produzido de foda no gênero. Passei a me dedicar mais aos experimentos nesse sentido de Cortázar, Lydia Davis, Dalton Trevisan, Monterroso, Calvino, Ruffato (Eles Eram Muitos Cavalos é uma bíblia do gênero) e outros. No Brasil a gente tem uma tradição muito forte de crônica e o tamanho tradicional delas é bem parecido. Cronistas como Antonio Prata, por exemplo, às vezes produzem peças que são verdadeiras flash fictions.

O que fazer para circular a literatura? Você vive de quê? Santiago SantosObviamente não vivo de literatura. Talvez seja acertado dizer que eu vivo na literatura, a gente mora onde o fanatismo reside. Mas tiro a grana pra me virar trabalhando com administração e contabilidade, nada a ver com a formação em jornalismo, área de trabalho que não decolou pra mim porque eu percebi que queria escrever mesmo era ficção, não realidade. A época da facu foi um período bem emblemático. Eu tranquei o curso e no período (2008/09) me dediquei a uma revista de contos ilustrados tipo zine feita de maneira independente aqui em Cuiabá e vendida em bancas, livrarias, eventos culturais e na mão mesmo. Se chamava Contos Extraordinários e durou 10 números, praticamente um ano de trabalho que me rendeu satisfação extrema e uma espécie de reconhecimento do submundo que travou contato com as histórias mas necas de dinheiro. As edições custavam 3 reais e o que entrou foi o suficiente pra cobrir o investimento. Eu não fiquei no prejuízo, que é um risco que qualquer um que trabalha com literatura no Brasil corre.

De lá pra cá o hobby de escrever (encarado como trabalho não-remunerado) teve que dividir espaço com o trabalho real. A realidade do mercado literário brasileiro é a mesma realidade do mercado cultural de qualquer segmento.

O que acha do mercado para escritores e como sobreviver assim? Santiago Santos – A realidade do escritor já estabelecido, com livros publicados e prêmios na estante e a facilidade de morar no eixo, já é difícil no país. Há uma infinidade de atividades paralelas que auxiliam na renda: cachês de participação em eventos literários, se tornar jurado de concursos, os próprios concursos, serviços (como revisão, leitura crítica), ministrar oficinas e dar palestras, traduzir, trabalhar como jornalista. Eu tenho me especializado em tradução, tentando abrir uma vertente rentável nesse mercado para acompanhar a produção literária que ainda é feita apenas pela paixão de fazer. Mas há a consciência clara de que é uma estrada árdua, de ralar demais, de evoluir na arte, de ampliar a rede de contatos (há muita política em todas as esferas da vida), chegar às pessoas, ser lido. Não é fácil pro escritor brasileiro, e quanto mais afastado do eixo você se encontra mais difícil fica. Viver da vendagem dos livros, mesmo em grandes editoras, é ficção, a não ser que você pertença a uma corrente mais facilmente comerciável e acessível, como André Vianco e Eduardo Spohr, que conquistaram grande público, ou Paulo Coelho. Mas são tiros fora da curva. O escritor brasileiro rala demais e normalmente complementa renda com atividades paralelas. Às vezes nem mesmo paralelas, mas distantes do fazer literário.

Em Cuiabá, especificamente, há tentativas, há editoras na ativa e do passado que tentam extravasar essa paixão pela literatura e colocar no mercado obras ficcionais. Mas é um mercado que não se sustenta. É um público diminuto, desconfiado, avesso a gastar com cultura (o livro é considerado caro), que sobrevive basicamente dos incentivos governamentais em baixa escala, que fomentam um mínimo de produção mas não uma manutenção forte do segmento (e nem acho que seja tarefa do governo manter a estrutura funcionando). Então temos medalhões, como Ricardo Guilherme Dicke, que flertam com o esquecimento. Manoel de Barros chegou nas grandes editoras, perfurou o eixo e hoje sua obra vive num prestígio absoluto. Não estou falando de vendagem. Mas de prestígio.

E as novas tecnologias para a literatura, como você encara isso? Santiago Santos – O ebook abre um novo filão, amplia o alcance da literatura. Mas ainda assim tem que bater de frente com o costume de ler. O brasileiro lê sim, mas lê o quê? Nego tá pendurado no celular, lendo sem parar, checando whatsapp, lendo a timeline do facebook. A literatura é que continua sem muito prestígio. Os poucos que são infectados normalmente são apaixonados irrecuperáveis. Mas a maior parte da população passa ao largo, taxando qualquer literatura, mesmo a mais simples, como coisa de academia ou de gente refinada. Passa pela nossa tradição como país, uma cultura que pulou do rádio pra TV sem gastar muito tempo na cultura escrita. Passa pela nossa educação básica que não ajuda, junto com toda a infraestrutura que tem que existir junto da escola e da vida do estudante pra ele poder se dar ao luxo de ler por prazer. Passa pela oferta abundante, cada vez mais, de outras mídias e gêneros mais chamativos, mais encantadores, como a TV, o cinema, os vídeo-games. Enfim. É uma questão complexa. Mas o resultado básico é esse: no Brasil contemporâneo, “viver” de literatura é pros McGyvers de plantão. Há muitas outras carreiras com caminhos mais estáveis e certeza de bufunfa no fim do mês.

Depois da revolução da imprensa (gutemberg) o livro foi massificado, agora com a trans-revolução digital, nunca se leu tanto e tão mal…é o fim dos clássicos? – Santiago Santos – Acho que realmente nunca se leu tanto. Na literatura, especificamente, há um lado super positivo na democratização dos meios de produção do livro físico e no acesso virtual a ebooks ou blogs ou outras ferramentas, como o wattpad. Porque pessoas que não publicariam de outra forma conseguem publicar. Isso é espetacular. O lado negativo é que a maior parte disso (não querendo salvar o que passa pela curadoria das grandes editoras ou portais; se publica muita porcaria) não é muito boa, justamente porque não há um trabalho de curadoria, ou um amadurecimento artístico, ou mesmo as aparas que diferenciam um material mediano de um material bom.

A tecnologia está à nosso favor e também contra nós (do ponto de vista produtivo). Há uma necessidade premente de administrar tempo e de confiar em gatekeepers que filtram todo esse universo de informações pra gente. Com a produção massiva se multiplicam os críticos, cada vez mais jovens, cada vez menos estudados, seguindo no instinto puro. Isso não é ruim; é consequência dessa multiplicação inconformada. Com a multiplicação de livros de novos autores se multiplicam também booktubers e blogs literários que os classificam. E assim segue a toada, com uma infusão massiva da indústria do entretenimento em produtos ancorados em grandes marcas (livros de Minecraft, Assassin’s Creed, God of War), com os best sellers estrangeiros. É cada vez mais difícil conseguir visibilidade.

Mas não tenho uma visão pessimista. Apesar de se apostar tanto no novo, os clássicos não morrerão. A grande força que reside neles é o que faz com que sobrevivam e se perpetuam e adquiram novas roupagens pras novas gerações. Sempre existirão os aficionados pela literatura e pelas grandes obras que marcaram nossa história. Há livros pra todo tipo de leitor. Creio que os clássicos não morrerão. Pela força e pelo fascínio que exercem.

Como lidar então com esse leitor veloz? Santiago Santos – O que parece estar acabando é a paciência. O lapso de atenção diminui cada vez mais. Não conseguimos nos concentrar em um filme de duas horas sem checar o celular por novas atualizações nas redes ou receber um aviso de curtida, um comentário, uma conversa casual; coisas que não são urgentes, que poderiam ficar pra depois. Filósofos vêm nos advertindo há algum tempo, em especial depois da proliferação de smartphones: não temos mais ócio, não temos mais tédio, não temos mais tempo pra nada, já que ele está todo tomado por essa ansiedade de checar, de se manter informado, de se manter por dentro, o que gera uma angústia enorme e torna uma atividade tão serena e sensível como a leitura algo cada vez menos atraente.

Literatura em drops é o futuro? Santiago Santos – Nessa toada, creio que literatura em drops é o futuro e não é. É algo que sacia o leitor habituado a essas interações fugazes. É algo que pode ser lido sem interrupção (espero). Allan Poe disse certa vez que o conto era a medida perfeita de leitura porque o leitor “conseguia ler inteiro em uma sentada”. Mas isso no século 19! Talvez o desafio contemporâneo seja criar ficções que “possam ser lidas inteiras entre uma notificação do whatsapp e uma notificação do facebook”.

3 Comentários

  1. tipo de entrevista que instiga o sujeito, que papo massa caras! esse papo de literatura drops é muito interessante, mas por mim(que fatalmente picado por horas e horas à toa lendo)acho que limita muito, principalmente a novela o romance, onde se desenvolve um pensar mais cadenciado, de qualquer forma uma leitura com mais conteudo é o que se impõe, com perigo de cairmos na rede barata dos vazios cheios de merda…

    • Pô, Balbino, que massa! Ficou mto legal mesmo a matéria, o estilo despojado do Eduardo é foda. E concordo contigo. Teve um pedaço da entrevista que ficou de fora (compreensível, eu escrevi pacas) que falava justamente disso. Apesar dos drops serem legais, eles não alcançam a profundidade da literatura mais longa. Posto aqui esse complemento pra costurar com o seu comentário. Considere que ele continua direto da última resposta:

      *Obviamente, falo isso em tom irônico. Sei da facilidade de investimento de tempo em um drop, em um flash fiction. Mas sei também de suas limitações. Em um texto de 500 palavras, há, se feito com habilidade, o espaço pra uma cena, pra descrever um personagem, pra revelar um desfecho. Mas não há espaço pra se fazer tudo isso junto. A literatura longa, tanto contos quanto romances, nos permite coisas que a literatura breve não permite. Investigações profundas da psiquê e das relações humanas, construções admiráveis e verossímeis de mundos inexistentes, desenrolar de conflitos que ecoam porque os personagens envolvidos foram construídos com esmero e técnica apurada; coisa que exige tempo. Labor. Trabalho.

      Não há atalho, infelizmente. Os drops se beneficiarão desse lapso. Mas não serão a totalidade do que produziremos. Assim espero. Há muitos indícios de que isso não ocorrerá. Ficções breves existem há séculos. Romances longos continuam sendo produzidos atualmente. Haverá, talvez, um ajuste de foco, de interesse, de percepção. Mas isso é natural, nada fica parado.

  2. interessante como o tempo hoje em dia limita os escritores, eles dizem : “ninguém quer ler muito, a paciência esgotou”, aí já era a literatura como a conhecemos, manter uma tradição e fugir dela ao mesmo tempo, consigo sentir que o caminho caminha, mas continuo tentando o elo, achando mais que menos escrevendo sem saber como, depois tem essa trilha toda que hoje os guris tem que desfazer, ser macho hoje não define nada e nem escreve(adoro o fluxo livre) o texto correto, temos algumas pistolas carregadas, outras já vazias esperando a bala atrevida, cuidado, na esquina tem uma mina que gosta de homem!!!!!!! senhores escritores deixem o fluxo fluir animemos as análises estudemos mais, por favor vamos ler mais, mais e mais, não sintam pena das mãozinhas libidinosas, enfiem o dedo nas feridas do cu e escrevam sem dó de calos enlasmanos…

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