Uma crônica de Carol Marimon e Diego Borges*

Chego ao teatro. “Vaga Carne”. A sinopse me intrigou. Subo no palco, sim o público é convidado a se sentar no palco, deslocada do meu lugar comum enquanto platéia me sinto de alguma maneira convidada ou desafiada, escolho uma cadeira. Sento. As luzes se apagam. Minhas pupilas se dilatam.

Uma voz surge no escuro. Sinto minha mente se confundir, de onde vem aquela voz? Da coxia? Da caixa de cena? Dos auto-falantes? O som ecoa pela platéia vazia do teatro.  Me confundo, com aquelas palavras sobre coisas banais que me chamam tanto a atenção. Não vejo nada, mas construo imagens com a provocação daquelas palavras.

Uma luz se acende, o palco está vazio, exceto pelo público que em formato de semi-arena circunda a caixa cênica, ao fundo uma bateria sem baterista. A voz não cessa. Aquela voz, tão interessante penetra objetos e corpos. Um misto de incômodo e prazer invadem os meus sentidos, eu estou ali, agarrada ainda somente naquela voz. Ela (a voz) nos conta sobre o dia em que penetrou o café, ai que delícia é habitar o café, hummm. Depois nos conta sobre o dia que penetrou em um gato, riu com aquela incoerência que começa a fazer sentido.

Outra vez escuro. A voz cessa. Silêncio. De repente, um foco se acende e temos a imagem de uma mulher do outro lado do palco. É Grace Passô? Ela vomita um jato de água! A luz se apaga. O que vem agora? Me pergunto enquanto tento perceber a reação das outras pessoas ao meu redor.

Quando se acende de novo, Grace está em pé bem perto de onde escolhi sentar. Agora tenho certeza: é ela! Ou seria só uma voz que penetrou no corpo de Grace Passô? Ela (a voz) não sabe se mover, ao poucos vai descobrindo como é aquele corpo, passeia pelos intestinos, braços, cabeça. Depois nos diz que não quer ficar tanto tempo dentro desse corpo. Qual é o motivo de estar ali, aquela voz se pergunta o tempo todo.

O corpo some na escuridão. Finalmente vemos um baterista. Ele entra segurando duas baquetas, senta e começa. Sinto meu coração pulsar no mesmo ritmo. Tum, dum.. tum, dum.. bãmm!

O corpo volta. A voz fala enquanto o corpo tenta. Todos os sentidos no ritmo daquelas batidas, que batem dentro do corpo, da voz, do ser. Até que a música acaba, simples como começou. O músico se retira do palco. Quebra brusca de sensações.

Lá vem ela outra vez! A voz! Ela entra em conflito com aquele corpo. Grace o que está acontecendo aqui? Pergunta a voz dentro de mim! Ops, a voz dentro de mim? Me sinto completamente envolvida na trama. Aquela voz entra em conflito com outra voz, até que essa última se perde nas memórias do esquecimento. A voz diz que se esqueceu do que ia falar… Eu também esqueço. O tempo, o teatro, os outros espectadores. Pareço estar sozinha naquele palco.

Até que a Voz pede ao público para que também digam palavras. Alguém fala “amor”, outro grita “tesão”, ali do outro lado alguém falou “fronha”, depois “medo”, depois “fascismo”. Ela repete cada uma das palavras com vários tipos de emoções e entonações diferentes.

Do outro lado do palco alguém diz “golpe”. Nesse momento, a voz e o corpo parecem sair da encenação e se unem num grito que me faz arrepiar: “GOOOOOOOLLLPEEEEEEE!”.

A voz volta a percorrer aquele corpo. Percorre os pulmões, até chegar ao útero. Ali, ela encontra um minúsculo feto. Se assusta, pois se preocupa com aquele feto, no que precisa ensinar pra ele quando nascer, o que ele precisa aprender, o que ele precisa ser, ele precisa conhecer o mundo! Ele precisa saber de tudo, de tudo… Pára, pensa. E eu também penso junto com aquela voz. Então a voz faz com que aquele corpo ande pelo espaço. Sente vontade de fumar. Acende um cigarro. A voz, dessa vez,  parece decidir habitar de vez aquele corpo.

Vaga carne, vaga…

*Carol Marimon é economista, videomaker e ativista cultural. A arte é intrínseca 
aos seus múltiplos olhares. | Diego Borges é ator, produtor e diretor, gosta de 
lasanha e viajar. 

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