A infância marcada pelo assassinato do pai, um Cavaleiro sertanejo que chegou à presidência da Paraíba, as lutas da sua família e as perseguições sofridas, lhe deram uma visão trágica do mundo. Visão esta que está carregada de símbolos e mitos, códigos de honra e disputas de vida e morte. Com essa visão é que Suassuna fez o seu castelo de sonho e beleza; é o menino, já adulto e feito escritor, que tenta interpretar e conviver com essa fera bravia, a sua terra (CAMPOS, 2016, P. 747).

Em 2006, morava em Juína, trabalhando em uma faculdade particular, quando, convidado pelo professor Mário Cezar Silva Leite vim a Cuiabá participar da LITERAMÉRICA, dividindo uma mesa sobre Literatura Contemporânea com o escritor paulista André Vianco, autor de “Os Sete”, dentre outras obras que versam sobre vampiros urbanos. Encontrei André Vianco alguns anos depois em uma Jornada Científica realizada no campus da UFMT em Barra do Garças, mediando uma conferência proferida por ele. Relembro esse episódio para dizer que da primeira vez fiz uma fala antagônica à sua, de desinteresse pela literatura, por uma série de fatores que não cabe detalhar no momento.

Mas o que gostaria de destacar desse evento como um todo foi ter conhecido uma poeta equatoriana, Aleyda Quevedo Rojas, e a palestra espetacular do enigmático e simpaticíssimo escritor paraibano Ariano Suassuna. O mestre iniciou sua fala dizendo que, por estar cansado da viagem desde o Recife, não iria falar muito, embora tenha ultrapassado a casa de duas horas de livre explanação sobre sua vida e obra; fico a imaginar como seria se ele estivesse inteiro, sem nenhum tipo de cansaço.

Em março deste ano pude conhecer a cidade de São José do Belmonte, em Pernambuco, quando também estive no logradouro chamado de Pedra do Reino, inspiração para a obra épica intitulada “Romance d´A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta”, em sua edição definitiva finalizada pelo autor em 1971 e atualmente em sua décima quinta edição. Hospedado na casa de um amigo de outra amiga e cujo irmão construiu um castelo na cidade, inspirado na obra do autor e seu amigo, Ariano Suassuna, fomos conhecer o espaço. A atmosfera armorial perpassa o suntuoso edifício.

Uma torre moura, outra cristã, o gavião da morte unindo as extremidades e uma infinidade de referências à narrativa épica da qual destaco o fragmento abaixo, nas palavras do personagem Quaderna, espécie de Quixote sertanejo:

Seus amigos são incapazes de ver que o Exército e a Igreja são, na América Latina, os únicos Partidos organizados, disciplinados e verdadeiramente existentes. São incapazes de ver que a hostilidade com que eles tratam esses dois Partidos é uma estupidez, que só favorece os nossos inimigos de fora. Sim, porque enquanto nós nos dilaceramos aqui em divisões estéreis, eles vão entrando, corrompendo, furtando e se apossando à vontade de tudo o que desejam (SUASSUNA, 2016, p, 635).

Estamos novamente em ano eleitoral. O estelionato está aí, com as cartas na mesa. Assim como no futebol brasileiro, as arbitragens estão sob suspeita de favorecimento, de ilícito. As regras do jogo são subvertidas e as figurinhas carimbadas insistem em permanecer no álbum. Quando conseguiremos romper com os binarismos de sempre? Suassuna sussurra em altos bravos ao leitor de sua obra esses disparates. Mas de uma maneira original e intrépida. O homem do cavalo branco emerge de maneira insopitável ao longo da narrativa. Entre a extrema esquerda e a extrema direita, um homem desafia essa lógica com um entremeio de ideias que, da anta ao antropofagismo copidesca sob a forma de decalque alguns bruxuleios pragmáticos de insuspeitável contravenção.

O parágrafo anterior, querido leitor, de maneira intencional, metaforiza uma livre interpretação de Ariano e de seu universo sarcástico, cáustico e de um humor inigualável. Millôr Fernandes, talvez um dos maiores intelectuais brasileiros de todos os tempos dizia, entre outras coisas, que o Brasil não é para principiantes. Enquanto escrevo esta crônica, os senadores Eunício de Oliveira, do PMDB, Jorge Viana, do PT e Antonio Anastasia, do PSDB, passeiam pela (nada) bucólica Dubai, ao passo que o controle do país repousa sob a batuta da ministra toda poderosa Carmem Lúcia, do Supremo Tribunal Federal.

Saem de cena ARENA e MDB, este segundo já desvestiu a antiga carapuça; verdeamarelistas e antropofagistas, e em meio a esse caos todo já começo a fazer planos para 2019, pois daqui a três meses teremos a Copa do Mundo, e depois, outros três e estaremos mergulhados nas eleições presidenciais. Já não há muito tempo para planos em 2018, ao menos no que diz respeito a realizá-los, quero dizer. Para quem conhece o “Auto da Compadecida”, precisa da “Pedra do Reino” para se compadecer ainda mais. Sou taurino, mas desse Ariano eu gosto mesmo; de verdade!

REFERÊNCIAS

CAMPOS, Maximiano. A Pedra do Reino (Posfácio). In: Romance d`A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 15 ed., 2016.

SUASSUNA, Ariano. Romance d`A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta. Rio de Janeiro: José Olympio, 15 ed., 2016.

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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