Já utilizei esse espaço para contar sobre a minha relação com o jornalismo e como a minha busca por uni-lo à literatura, de certa forma, resultou nesse portal que existe e resiste há cinco anos. Produzir jornalismo literário em um país que não lê é um desafio um tanto quanto cruel. Uma luta quase solitária. Eu disse quase.

Antes de adentrar no tema, de fato, farei um longo “nariz de cera”, jargão do jornalismo para classificar os parágrafos escritos antes de trazer a informação que realmente importa. Mas, estamos aqui para quebrar esse padrões chatos, não é mesmo? Para isso, vou voltar um pouco na história. Lá pelos idos de 2010. (PS: Só agora percebi que se trata de um intervalo de onze anos, S O S).

Depois de me ver desestimulada na época da faculdade, onde aprendemos verdadeiras receitas de bolo para escrever matérias, reportagens, entrevistas etc., conquistei uma liberdade que me fez voar nas linhas do jornal. Comecei a publicar crônicas versando sobre temas banais e complexos, permeadas por uma forte narrativa poética.

Essa liberdade me foi dada pela editora do caderno de cultura da extinta Folha do Estado, Lidiane Barros, que literalmente pirava nas suas edições. Fotos coloridas de artistas que rasgavam e saltavam uma página inteira, formatos diversos, personagens icônicos da terra, linguagem múltipla e inovadora. Era bonito de se ver. E lá estava eu, uma singela estagiária do caderno de cultura, sentindo que podia vencer o mundo padronizado do jornalismo brasileiro.

A Lidiane saiu, seu lugar foi ocupado pelo Claudio Oliveira, depois pelo Eduardo Ferreira, que mantiveram a “tradição” de inovar e radicalizar no Folha3. O jornal fechou alguns anos depois, ainda em dívida com nossos parcos salários e poucos direitos trabalhistas. Mas, da Folha do Estado lembro com carinho dessa possibilidade transgressora que os editores de cultura possuíam em suas mãos.

Redação da extinta Folha do Estado.

Apesar de sentir que o meu lugar era ali, naquela editoria, acabei migrando para a cobertura de política e os caminhos foram me levando para outros lugares. O jornalismo literário e a liberdade do caderno de cultura se tornaram um ideal a ser alcançado, com um espaço cativo no meu altar dos desejos profissionais. Quem trabalha com cultura sabe o quanto é difícil, exaustivo, uma missão quase monástica.

A aridez do cenário brasileiro é desoladora. Os olhos veem secura em todo canto, no ar, na terra, na falta de empatia, de senso de comunidade de grande parte da nossa sociedade. E enquanto falo dessa aridez, sinto um sopro gelado entrar pela minha janela e arrepiar meus pelos.

Não temos mais Ministério da Cultura, um desmonte anunciado de uma conquista histórica. Artistas e produtores culturais sobrevivem como podem em meio à uma pandemia, que nos isola e nos afasta. Não podemos mais dividir um espaço físico, estar na plateia, ao lado de outras pessoas para vivenciar uma peça de teatro, um concerto de música, uma apresentação, uma performance, uma exposição. Não temos o acolhimento, o encontro, e o incômodo provocados pela arte. Um projeto genocida em andamento que mira diretamente na diversidade da vida. A aridez. A secura. Olhos ardem, a garganta fecha.

Eis que desse sopro, notícias que animam. A jornalista Maria Clara Cabral movimenta essa cena tão necessária à formação de público, que contribui diretamente para jogar luz ao que se produz na arte, sendo uma importante ferramenta desse processo. Falamos de jornalismo cultural, esse vetor da cultura brasileira, responsável – em grande parte – pela memória e história da arte e da cultura do nosso país.

A jornalista Maria Clara Cabral

Sinto que um certo poder reside nessa forma de comunicar, afinal, nos parâmetros de imprensa que temos no Brasil, é na editoria de cultura que exercemos essa liberdade, que para mim é fundamental, porque me permite trazer literatura para os textos. É o exercício de transportar o leitor para dentro de um filme, uma peça de teatro, uma música, um livro, uma experiência. É um incentivo para se embrenhar por um universo criativo, é esse sopro gelado que vem da janela aberta para lembrar que há vida lá fora.

É com o coração cheio que nos reuniremos, de 09 a 15 de março, para falar sobre jornalismo cultural e suas vertentes, na Maratona de Jornalismo Cultural: (In)formar público, idealizado por Maria Clara Cabral. Essa que vos escreve, terá a honra de palestrar, no dia de abertura, sobre “A arte de fazer jornalismo literário”.

O jornalista Jotabê Medeiros

A palestra principal fica a cargo de Jotabê Medeiros, que traz um panorama do jornalismo e da crítica cultural no Brasil, com sua ampla bagagem e inestimável contribuição para essa simbiose entre jornalismo+cultura+arte. Haverá ainda Lorenzo Falcão, do Tyrannus Melancholicus, com o tema “Arte e jornalismo: In(fusão)”. Lidiane Barros trata sobre “Assessoria de Comunicação para (in)formação de plateia”. Eduardo Ferreira aborda a cultura na TV e rádio mato-grossense. Os debates serão mediados por Maria Clara Cabral.

Debates, oficinas e minicurso

Além da mostra de abertura – para a qual não é necessário se inscrever – o evento terá debates, oficinas e minicursos. Dentre elas, uma atividade com a Mídia Ninja, rede colaborativa que nasce em Cuiabá a partir de práticas do jornalismo cultural independente; uma parceria com a Laboratório de Comunicação e Cultura ‘A Lente’, com dicas para divulgação de projetos e produtos para artistas e empreendedores; e uma atividade voltada a rádios comunitárias e produtores de podcasts com o artivista multimedia Eduardo Ferreira, que também é diretor da Rádio Assembleia.

Para essas atividades, as inscrições acontecem entre 25 de fevereiro e 03 de março, AQUI. O evento é voltado para jornalistas, estudantes, artistas e quem mais se interessar por comunicação e cultura.

O projeto

Dentre suas inquietações acerca do tema estava o incômodo com a ideia de que o jornalismo cultural seria somente voltado às artes, e que a arte estaria distante das vivências da população. Atualmente, é notório o espaço reduzido – em alguns casos, inexistente – para a cobertura cultural.

“Acredito que o jornalismo cultural pode ser um instrumento de pertencimento, onde a população se reconheça. É um jornalismo que pode tratar de políticas públicas, empoderamento, patrimônio histórico, economia criativa e questões afetivas que atravessam as cidades. Ainda mais em Mato Grosso. Pensa o quanto é importante a gente falar de cultura popular, cultura dos povos indígenas e outros povos tradicionais do Estado, culturas urbanas e periféricas. Não é verdade que a arte é algo distante. Muito pelo contrário”, justifica Maria.

O projeto “Maratona Jornalismo Cultural – (In)Formar Público” foi contemplado pelo edital da MT Nascentes na categoria de “projetos de formação em backstage”, e é realizado pela Secretaria do Estado de Cultura, Esporte e Lazer (Secel-MT) com recursos federais da Lei Aldir Blanc concedidos pelo Governo Federal via Secretaria Nacional da Cultura do Ministério do Turismo. 

Serviço

Maratona Jornalismo Cultural – (In) Formar Público

Inscrições: 25/02 a 02/03 AQUI

Evento: 09 a 15/03

Local: Online (site divulgado após as inscrições)

Saiba mais

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Programação AQUI 

*Com informações da assessoria

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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