Júlia Tinan Dornelles e Kelly Sousa de Freitas 

No final de 2020, Pedro Casaldáliga foi homenageado como Mestre da Cultura de Mato Grosso através do edital da Secretaria de Estado de Cultura de Mato Grosso “Conexão Mestres da Cultura” Nº 04/2020, por meio do Projeto Coletânea Pedro Casaldáliga In Memorian. Casaldáliga (1928/ 2020) foi um poeta e bispo católico espanhol, que ficou conhecido internacionalmente por defender os direitos humanos e pela luta ao lado dos indígenas, trabalhadores rurais e ribeirinhos.

O Projeto Coletânea Pedro Casaldáliga In Memorian se encontra em desenvolvimento e consiste em publicar em português cinco dos livros do autor, até o momento, editados apenas em espanhol  entre as  década de 1950 e  1980 . Em breve, os livros serão disponibilizados em duas línguas, espanhol e português tratando-se de uma edição bilíngue. A tradução é de Erick Nepomuceno. O material sairá em dezembro de 2021 pela Editora Entrelinhas.

A Entrelinhas está no mercado editorial mato-grossense desde 1993 e acredita que Mato Grosso pode ser um polo irradiador de cultura e conhecimento. Como afirmam em seu site, a editora tem como missão “disseminar informações e conhecimentos de natureza ou interesse regional, contribuindo para a formação educacional e cultural da sociedade”. Entre seus livros publicados estão “Comunidades Tradicionais do Pantanal”, organizado pela professora Dra. Carolina Joana da Silva (UNEMAT) e pelo Dr. Germano Guarim Neto (UFMT).

O Projeto Coletânea Pedro Casaldáliga In Memorian está sendo coordenado pelas professoras Marinete Luiza Francisca de Souza e Célia Maria Domingues da Rocha Reis, ambas do Programa de Pós-graduação em Estudos de Linguagens, da Universidade Federal de Mato Grosso. Também fazem parte do projeto os professores Tereza Ramos de Carvalho, Doutor Vinícius Carvalho Pereira e Divanize Carbonieri.

A equipe do Projeto pretende facilitar o acesso aos livros do poeta catalão: “é uma coletânea que tem como objetivo chegar ao público em geral e também em quem deseja estudar a poesia de Casaldáliga. Não só na universidade, mas, também nas escolas, entre os jovens. Deseja-se que a estética do autor e suas várias formas literárias estejam disponíveis para o público de maneira a contribuirmos para a formação estético-literária dos jovens”, afirma Marinete Francisca de Souza, coordenadora da equipe.  O objetivo é “dar a conhecer a obra de Pedro Casaldáliga” acrescenta.

Os livros que estão sendo editados são, em ordem cronológica: Palabra ungida, originalmente publicado pela Editora Zafra, em 1955; Llena de Dios y de los hombres, que saiu pelo Teologado Calreatiano em 1971; Clamor Elemental, editado pela Suigueme, en 1971; Fuego y ceniza al viento. Antología espiritual, publicado na cidade de Santander – ES, em 1984 pela Sal Terrae e El tiempo y la espera, também editado pela Sal Terrae, em 1986.

Estes livros serão publicados em formato impresso e contarão com um prefácio analítico com o intuito de funcionar como uma espécie de guia de leitura da obra, mas que não será fechado, deixando as possibilidades de pesquisa e compreensão em aberto para os leitores.

Dom Pedro Casaldáliga

Sobre o poeta Pedro Casaldáliga

Pedro Casaldáliga chegou à região do Araguaia em 1968 em meio à ditadura militar. O Brasil passava por um período sombrio e a Amazônia Legal era tomada pelos latifundiários, de forma violenta. Os posseiros e indígenas eram expulsos e mortos de suas terras com apoio do governo. Pedro Casaldáliga escreveu em 1971 o que seria a primeira denúncia mundial do que acontecia na Amazônia, a Carta Pastoral Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e marginalização social é um marco na história e foi fundamental para a luta dos povos indígenas, do meio ambiente, contra a pobreza e a marginalização.  Afirma ele:

“Os fazendeiros mesmo consideram o peão como raça inferior, com o único dever de servir a eles, os ‘desbravadores’. Nada fazem pela promoção humana dessa gente. O peão não tem direito à terra, à cultura, à assistência, à família, a nada.” Pedro Casaldáliga,  In: Carta Pastoral Uma Igreja da Amazônia em conflito com o latifúndio e marginalização social. São Félix do Araguaia, 10 de outubro de 1971.

No que diz respeito aos textos poéticos de Pedro Casaldáliga, eles dialogam com a história dos pequenos e marginalizados, como se pode ler no poema CANÇÃO DA FOICE E O FEIXE (In: CASALDÁLIGA, Pedro. Antologia Retirante. Editora Civilização Brasileira – edição 1978):

CANÇÃO DA FOICE E O FEIXE

(Colhendo o arroz dos posseiros de Santa Terezinha, perseguidos pelo Governo e pelo Latifúndio.)

Com um calo por anel,

monsenhor cortava arroz.

Monsenhor “martelo

e foice”?

 

Me chamarão subversivo.

E lhes direi: eu o sou.

Por meu Povo em luta, vivo.

Com meu Povo em marcha, vou.

 

Tenho fé de guerrilheiro

e amor de revolução.

E entre Evangelho e canção

sofro e digo o que quero.

Se escandalizo, primeiro

queimei o próprio coração

ao fogo desta Paixão,

cruz de Seu mesmo Madeiro.

 

Incito à subversão

contra o Poder e o Dinheiro.

Quero subverter a Lei

que perverte ao Povo em grei

e ao Governo em carniceiro.

(Meu Pastor se faz Cordeiro.

Servidor se fez meu Rei.)

 

Creio na Internacional

das frontes alevantadas,

da voz de igual a igual

e das mãos enlaçadas…

E chamo a Ordem de mal,

e ao Progresso de mentira.

Tenho menos paz que ira.

Tenho mais amor que paz.

 

… Creio na foice e no feixe

destas espigas caídas:

uma Morte e tantas vidas!

Creio nesta foice que avança

– sob este sol sem disfarce

e na comum Esperança –

tão encurvada e tenaz!

Outro tópico recorrente na obra de Pedro Casaldáliga é a natureza, especialmente o Rio Araguaia, presente em um número significativo de textos. É possível perceber nestes profunda identificação entre o rio e o poeta e entre o rio e a população humana que habita suas margens, conforme se lê no poema Araguaia (In: CASALDÁLIGA, Pedro. Cantigas Menores. p. 20. Universidade Católica de Goiás. Conselho Editorial. Goiânia, 2003):

Araguaia

Nosso Araguaia querido,

Praia dos homens-canoas

Divisa do Cativeiro,

Giro da Bandeira Verde,

Porteira do Latifúndio,

Banzeiro da Indignação,

Guerrilhas de Ventania,

Mar Vermelho da Esperança,

nosso Araguaia querido!

Encontramos no poema Araguaia um poeta identificado com as águas do Araguaia. Outros autorretratos podem ser encontrados em poemas de Casaldáliga como o que se lê no poema abaixo, no qual encontramos um poema síntese daquilo que foi o  poeta, alguém com capacidade de condensar extensos significados em poucas linhas e de viver em comunidade:

“No final do caminho me perguntarão:

– E tu, viveste? Amaste?

E eu, sem dizer nada,

Abrirei o coração cheio de nomes”. Pedro Casaldáliga.

Pedro Casaldáliga é isso, uma pessoa cheia de nomes e histórias. Escreveu diversos tipos de poesias, como hai-cais, sonetos e versos livres. O poeta utiliza nomes de gêneros poéticos como ‘cantigas’ em títulos de livros, como o citado Cantigas Menores. Além disso, dedica poesias a outros poetas como Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto ou para personalidades, como Che Guevara e ao papa João Paulo II. Casaldáliga também destina suas palavras para indígenas, negros e mulheres anônimos, termo usado pelo próprio bispo.

Considerando a importância de sua poesia para a literatura brasileira contemporânea, “esperamos que com a publicação ou reedição desses livros em língua portuguesa o público tenha maior acesso às obras e o conheça não só como religioso, missionário e ativista mas também como poeta”, acrescenta Marinete Luzia F. de Souza.

Para ter acesso às ações do projeto e às publicações acessem o instagram: @projetocasaldaliga e o Youtube Coletânea Pedro Casaldáliga In Memoriam.

 

Júlia Tinan Dornelles, 21 anos, moradora de Barra do Garças (MT). Estudante do 6º semestre de Jornalismo na UFMT Araguaia e bolsista do Projeto de Extensão Coletânea Pedro Casaldáliga In Memoriam. .

Kelly Sousa de Freitas, bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Mato Grosso. 

 

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