Antonio Montenegro

Em tempos históricos perigosos e desafiadores, filio-me àqueles que se apoiam no conhecimento para pensar e agir em face da realidade.

Inicio pelo filósofo Henri Bérgson estudioso dos processos da memória, que escreveu em obra clássica, ‘Matéria e Memória’, não existir percepção pura. Ou seja, não é a realidade que lança aos nossos olhos ou aos nossos sentidos as coisas, os acontecimentos com significados puros e acabados. Pelo contrário,  interagimos com o mundo ao redor com os conhecimentos acumulados e as experiências que se encontram registradas na memória. É por essa condição da memória em nossas vidas, que Bérgson afirma estarmos em constante movimento mental do passado ao presente.

Por outro lado, afirma que não existe memória pura. Assim, no ato de recordar não retornamos ao registro primeiro que se formou na memória no instante vivenciado de algum acontecimento. Isto porque os sentidos, ao estabelecerem contatos com o mundo ao redor, em permanente processo de transformação, também nos modificam. Assim, a relação dos sentidos com a realidade exterior é fundada em um movimento constante e ininterrupto, que nos torna sempre distintos do que éramos. Dessa forma, segundo Bérgson, em razão da relação dos sentidos com o mundo exterior, também nunca somos os mesmos.

Porém, no viver cotidiano a memória atua parecendo contrariar a representação do fluxo ininterrupto do presente vivido ao passado relembrado, e vice-versa. Por exemplo, a memória hábito faz repetir comportamentos, pensamentos, ideias de maneira automática como se o real estivesse ‘congelado’ e não tivesse nenhum poder de interferir na maneira como agimos e pensamos.

Talvez este seja um dos desafios que estamos coletivamente vivenciando no mundo: o de termos que modificar hábitos arraigados em nossas memórias. Processo que instiga momentos de significativa mudança social e atos de solidariedade surpreendentes. Porém, ao mesmo tempo, não devemos deixar-nos enganar pelo discurso de alguns segmentos dentro e fora do governo que, em nome da ‘salvação econômica’, difundem outro vírus ainda mais grave, o da indústria da pandemia.

Relembro o escritor Sul-africano Coetzee e sua metáfora de que os hábitos são tão resistentes quanto os ossos. Ou as palavras do historiador alemão Reinhard Koselleck ao apontar que as experiências vivenciadas durante a vida são fundamentais, no entanto, em certos momentos podem tornar-se empecilhos para compreender e atuar adequadamente nas novas realidades políticas, sociais e econômicas.

 

Antonio Torres Montenegro. Professor Titular do Departamento de História da UFPE.

 

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