As pinceladas expressivas revelam universos distintos: as luzes da cidade que ficam na memória, paisagens que se transportam para as telas, corpos que conclamam a reflexão, suportes variados que abrigam a criatividade e tonalidades que evocam histórias. Dos quadros à cerâmica, o azul transbordou nas obras dos 31 artistas convidados para a exposição coletiva de artes visuais Blues & Blues, que acontece  no Espacio Uruguay, na Avenida Paulista, até o próximo dia 2 .

Com as emoções representadas em vários tons de azul, as obras ultrapassaram os sentidos dos próprios autores para encontrar um diálogo único com cada espectador. Para além da crítica e da reflexão sobre problemas atuais – como o  meio ambiente e a polarização política do país – as peças fazem uma conexão com as múltiplas possibilidades da cor azul, proposta pela curadora Sandra Honors. O movimento na abertura da mostra contribuiu para demonstrar a relação dos artistas com suas criações.

Foto Marianna Marimon

A transição do azul em telas

Recepcionados pela obra “The Bluesman”, de Fernando Naviskas, os visitantes da exposição têm, já na entrada, a oportunidade de participar desta imersão – por meio das aquarelas “Tempestade” e “Encontros” de Chana Rosenberg e da série “Submerso” de Suely Castro Mello. “O processo da aquarela é muito alento, contínuo. Ele tem o seu tempo certo: não é um processo que você senta, faz e termina. Você mergulha nele, ainda mais trabalhando com a cor azul. E eu espero que as pessoas possam mergulhar nas obras também”, conta Suely.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Ainda na primeira sala temos a aquarela “Essência em tempos de mudança”, de Sônia Scalabrin; as gravuras “Nascimento” e “Eterno fluxo da vida”, de Laila Guimarães; e o acrílico “Acordes de liberdade, asas de emoção” de Kity Mendonça. Colorista nata, Sônia Scalabrin revela a inspiração para compor o seu quadro: “O azul leva você para as profundezas de si mesmo, e o meio líquido da aquarela é ligado à questões emocionais e ao aprendizado, ao autoconhecimento. Porque  você não controla a água com o pigmento, ela segue seu próprio curso e você tem que aprender a lidar, ter essa maleabilidade”, observou a aquarelista.

A exuberância da natureza ganha vida com as cores de Kity Mendonça: “Foram três meses de dedicação nessa obra. Nela, eu  fiz questão de retratar as asas, a potência, do Buteo regalis –  que é um gavião ferruginoso – e é um sobrevivente nato que passa essa força. Com todos esses elementos, busco demonstrar que mesmo na solidão de um deserto v ocê pode encontrar essa paz, que culmina em um céu azul com raios de luz e um arco-íris”, explicou.

Foto de Lincoln Yoshihashi

A cor azul: do céu às águas 

Na sala central, o azul se torna um canal de viagem para diversos mundos. As obras “Universo Fluídico” (Paulette Gerecht), “Planeta Azul” (Marisa Romeo), e “Céu com Via Láctea” (Regina Freitas) conduzem os visitantes, proporcionando a reflexão sobre a conexão entre o universo e nós mesmos. A aquarelista Paulette Gerecht inspirou-se nas cascatas de Foz do Iguaçu –  relacionadas com diferentes variações da cor –  que representam uma expansão da consciência cósmica. “Se você ficar muito tempo olhando o movimento da água, aquele volume te hipnotiza. De repente, parei para pensar: parecia quase sempre a mesma cena, mas a cada segundo eram átomos e moléculas diferentes que estavam passando nessa vazão. Para mim isso é uma alusão ao fluxo infinito de energias que a gente têm no Universo. E quando você está em sintonia, você se conecta com esse fluxo cósmico, com esse universo fluídico”, dividiu.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Já Marisa Romeo representa a Terra, mas com um viés crítico e de alerta: “Dentro do contexto, quis colocar que o nosso planeta não tem mais esse pigmento azul,  devido à devastação e tudo o que estão fazendo, depauperando a Terra. Fiz uma composição abstrata, retratando o espaço sideral com o planeta em evidência, mas ele é a única coisa que não é azul”, explicou a pintora.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Para Regina Freitas, observar o céu tornou-se fonte de criatividade,  aliada com o estudo de fotografias do telescópio Hubble: “Fiz uma pós-graduação em astronomia para começar a desenvolver esse trabalho mais astronômico e saber o que estou pintando. A ideia surgiu em 2012, e de lá para cá estou pintando o Universo, as nebulosas, céus noturnos com bojo de galáxia e as constelações. Aqui em São Paulo, mal conseguimos ver o céu, e quando você observa uma foto de um Hubble, tem uma visão maior de uma nebulosa tratada pela NASA. É uma explosão de cores”, compartilhou a artista.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Esta conexão também é retratada pelo azul presente nas obras “Céu, oceano, infinito amor” e “Mundos”, de Regina Helene e Zilamar Takeda, respectivamente. Em “Mundos”, Zilamar une o tecido a materiais orgânicos que resultam em uma experiência poética: “Aqui usei seda pura de tecido e tingi com o Índigo Blue. Não queria só colocar a seda no painel, mas também elementos orgânicos: fibras vegetais, árvores e galhos . Eu seco esse material, deixo alguns meses virando no Sol para ver quais serão suas características,  e acabo empregando, é algo poético meu, faço isso com os vegetais que estão debaixo dessa seda. Aquilo que desprezamos, muitas vezes, você manuseando , se transforma  em arte”, apontou.

Da paisagem à reflexão

Os observadores também podem revisitar lugares conhecidos a partir de novas óticas, como as cidades de Nova York e Veneza – retratadas por Felix Fassone em “Avenida 42 – Nova York” e “Noite”. Ou então a cidade de Paraty, presente no mosaico de Ramona Riessling.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Fassone discorre sobre os momentos diferentes do seu traço que passam por  uma desconstrução das imagens: “Essa que eu chamo “Noite” faz parte de uma série que trabalhei sobre Veneza, e é uma desconstrução do que seria a cidade. A cidade é o cenário que a gente mora e vive geograficamente. Quando você faz uma cidade, está de alguma maneira retratando também as suas pessoas. Minha pintura é um pêndulo entre o figurativo e não figurativo, entre a linha e a mancha. Na obra “Noite”, o pêndulo está mais para o lado da mancha. E  em “Nova York”,  para o lado da linha,  já que foi uma construção vertical, feita olhando de cima do Empire States. Quando você vai lá, a cidade é como se fosse um buraco. É uma visão aérea, e isso me impressionou muito: ver a  cidade de um ângulo que você nunca vê”, explicou o pintor argentino.

Foto de Lincoln Yoshihashi

A viagem continua na dupla “Vida na vila I e II”, de Luisa Dequech, e parte para o inconsciente com as obras “Dreams”, de Aidê Zorek, e “Quem Somos?”, de Fuzi Daki –  que utilizam o azul para refletir sobre os sonhos e questionamentos espirituais do ser humano. “O azul simboliza a água, a vida. Em toda a minha obra o azul é uma cor predominante, pois pra mim essa tonalidade é a alma de uma pintura. Ao pintar, eu coloco minha alma na tela, e essa obra representa uma espontaneidade espiritual”, conta Daki.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Mas além de apontar reflexões para nós mesmos, o azul também é uma ferramenta para uma crítica direcionada à sociedade, presente nas obras “Tirania da crítica”, de Marcello Jardim, e “Emparedados”, de Lécia Accioli. Nelas, a cor faz parte de contextos de opressão e revolta, estimulando o pensamento  sobre os tempos atuais.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Para despertar os visitantes e trazê-los novamente à realidade, outra obra de Naviskas – “O baterista” -, insere o azul em uma explosão de cores quentes e vibrantes. Esta quebra do monocromatismo também pode ser vista nas obras abstratas “Abstrato Multicolorido”, de Kátia Almeida; “Quinta desconstrução de padrão”, de Eliane Amorim; “Me expresso”, de Kiki Stefani; e “Magnífico II”, de Clóvis Loureiro.

Foto de Lincoln Yoshihashi

O universo feminino em tons de azul

Contrapondo-se ao abstrato presente na exposição, as obras figurativas “Blue & Blues”, de Nati Sáez; “Memória sem margem”, de Nancy Passos; e a releitura da obra de Vitto Campanelli, “Caballo Dama Alfi”, feita por Krys Potter, relacionam a tonalidade azul ao universo feminino. Esta ligação também é proposta pela ceramista e artesã Simone Ztellzer.

A  relação da cerâmica com o feminino também é refletida pelas outras artistas presentes na exposição: Adelisa Machado, Angelina Zambeli, Cibele Nakamura e Rita Tucci. Elas contam com peças explorando a relação da tonalidade azul com a sensação de leveza e delicadeza dos sentimentos. Por fim, o mundo marinho aparece novamente nas obras de Soraia Persoli, transbordando o azul e reforçando o convite para que os visitantes mergulhem na cor e nas obras.

Foto de Lincoln Yoshihashi

Normalmente relacionada à paz e tranquilidade, a cor azul abre inúmeras possibilidades – ligando técnicas, linguagens e histórias diferentes nas mais de 30 obras presentes na exposição. E para Simone Ztellzer, esta temática não só une e sintoniza os artistas, mas também os leva além no seu processo criativo: “É uma exposição em que todos estão em comunhão, no mesmo assunto, no mesmo espírito. É diferente de uma exposição com peças de vários tipos e temas, existe uma ligação. Essa proposta em torno de uma cor desafia os artistas a sair de sua zona de conforto e criar algo novo. E isso é muito importante”, finaliza.

A exposição Blue & Blues fica aberta para visitação até o dia 2 de outubro, no Espacio Uruguay, na Avenida Paulista, 1776.

Serviço

Exposição Blue & Blues

Período de visitação: 05/09 à 02/10 das 15h às 18h

Onde: Espacio Uruguay, Av. Paulista, 1776, 9º andar

 

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