Pela janela observo o dia claro. Lá fora a luz da manhã  projeta sombras longas na calçada. O ar está limpo e azul como o céu anil com nuvens brancas.
Ponho a coleira no cachorro, ajusto a guia para conduzi-lo e saio para a liberdade das ruas no vasto mundo do meu bairro classe média onde posso colher cajus maduros na árvore da praça.
Parece um mundo aprazível, não?
Parece sim, um mundo muito agradável, onde donas de casa podem passear calmamente na paz da manhã ensolarada.
Mas, o que vejo ali na esquina de casa? Um jovem soldado, isso mesmo! Paramentado com colete sinalizador fazendo gestos de “Alto lá, cidadão!” O exército vai passar agora num desfile performático.
Dobro para a direita na alameda arborizada e avisto outro rapaz, soldado paramentado, também muito jovem, com um breve sorriso de “bom dia senhora!”
“Mas que diabos de bom dia é esse?” Me pergunto calada. E sinto de repente uma estranheza de viver nessa realidade. Me atrevo a dirigir-lhe uma palavra: “Está acontecendo alguma coisa?” Pergunto, olhando-o nos olhos.
O rapaz responde gentilmente: “É a marcha matinal, senhora.”
“Ahhh”, respondo distraída avistando o pelotão que acaba de surgir no alto da rua. O meu pensamento atravessa o tempo e volto a 1964, em Santa Maria, quando aos cinco anos de idade me deparava com as ruas tomadas pelo exército de soldados armados em cada esquina de cada quarteirão.
Enquanto os jovens e patéticos rostos desfilam na manhã diante dos meus olhos, recordo- me da parada militar de todos os sete de setembro da vida, quando era pequena e vivia num mundo uniformizado e rígido, onde crianças não tinham voz e uma surra nos surpreendia quando menos esperávamos. Sim, as crianças eram surradas nessa época, bastava uma palavra fora do lugar, uma pequena arrogância …e zás! Oh, como era triste o mundo nessa época.
Observo com atenção os rostos que passam, tentando adivinhar os sentimentos que encerram em suas expressões caladas. Estão convictos da sua opressão? Acho que não, salvo um, ou outro, de cara fechada, como quem leva tudo muito a sério, estão todos muito à vontade com cara de bom mocismo carregando displicentemente o fuzil com o cano para baixo. Uma distração qualquer e “PUM! ” Um tiro no pé!
Soldados sem pé não vão a guerra.

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