Por Luiz Renato de Souza Pinto*

Fico encafifado pensando em qual seria a trilha ideal para esse amor; Caetano Veloso, Roberto Carlos, ou Amado Batista? Busco a resposta nos olhares com os quais vou cruzando na galeria. Entre amigos novos, mais velhos, indiferentes. No olhar de Vera Capilé, De Mari Gemma, de Maria Lígia. Penso em Maria Gadu, Zelia Duncan, Ana Carolina. Por trás de cada rima lanço oferendas e vou abraçando pessoas; Cleo, Carol, Leandro, e nos meandros disso tudo vejo Beatles, Stones, Maria Betânia. Oi, Carlinhos, Bertúlio, Chico, Ana de Amsterdã.

Paro para abraçar ao Nilton, ex-colega de faculdade, talvez esse saiba melhor me responder, dissolver o impasse. Mas, impassível, cheio de orgulho e conhecedor do amor, percebe-se a embriaguez do gesto. É vinte de janeiro, dia de São Sebastião e o olhar sedutor de uma nova amiga, é bom que se diga, cheio de um sincretismo religioso, vem me falar de seus oráculos, de seu orixá e perdido em seu decote, feito mascote de escola de samba, fico a girar pensando na magia do amor. Ah, cheio de ciranda; cheiro de cigana, canto de cigarra, morena da pele de Oxum.

Pareço voltar aos tempos de Vinicius, do violão tirado do saco e do cachorro engarrafado debaixo do banco. A garota de Ipanema rebolante no gingado em busca do mar. E uma onda gigantesca quebrando na praia. Coisas de Caymmi. Salta-me do pensamento distante a poesia de Antonio Carlos: “Um corpo deu na praia/ outro comeu”. Olho para ela, ela nem aí. Penso na flor, metáfora de singeleza, embora cheia de espinhos. Bem-me-quer, mal-me-quer; bem-me quer; mal-me-quer!

cravo-peq_Ela é de vinte e quatro de abril, eu de vinte e cinco. Revolução dos Cravos, ai Jesus! Disse a ela que já era hora de se expor. De se expor suas maravilhas, antes que virem cacos, essas cerâmicas cheias de vida, dessa paleta de cores, da curadoria de Ruth e Imara e que vieram do barro. Dessa costela de Adão representada pelos moldes forjados nas mãos de fada. Tento evitar que o texto contenha poesia, mas qualquer maneira valeria, e então penso apenas no Milton Nascimento, no Bituca, e vou beijando pessoas, algumas com cheiro de cigarro. Não importa, se houve fumaça é porque ainda há fogo e penso em Wando, fogo e paixão.

Imara e Ruth, como falei, são testemunhas desse amor. E vêm com sua curadoria afastando as dores. E Cristina Campos que estava por lá também sabe disso. Todos vão desfilando comentários silenciosos, alguns ensaiam selfies com aquele barro na tentativa de eternizar o momento inglório da busca da trilha. Agora é Cássia Eller, Lulu Santos, até mesmo Anita imitando a Beyoncé me arrepia enquanto a artista sorridente nem desconfia. Como aqueles amores vão além do tempo nosso de cada dia. Amor de dengo, de João e Maria. De como o amor ao próximo, de nós distante, é admirado por cada passante desde antes de Baudelaire, de Oscar Wilde, de sua Salomé.

São pequenos gestos cheios de apelo, de belos abraços, e feito um brinde à natureza, orações para que o mesmo floresça se ouvem de lábios carnudos, maliciosos, de um vermelho que incita ao pecado e ao amor próprio de cada um. E quando digo isso, paro e respiro; refiro-me também ao virtual, o de ninguém e ao mesmo tempo de todo o mundo. A volta da viagem me projeta dentro desse amor plural. Amor de passarinho tal qual a poesia de Quintana que amamenta o alter-ego, livre e sem pudor. Amor impossível de descrição, contrariando o que prega a poesia de Elisa Lucinda com suas Vozes guardadas, recém-saídas da oficina de Gutemberg; sério, menina. Veja se já tem lá na Janina. Trouxe do Crato, junto às lendas  do Ceará.

poliamorPoliamor, muitos salvando vidas. É preciso que se cultive, com a mão na massa, no barro. Benito de Paula; é isso! Maria Creuza, Joana, Fernando Mendes. Sérgio Sampaio, Titãs e Martinália. Pablo, Vanusa, Antonio Marcos e o homem de Nazaré. Qualquer maneira de amor valeria, vejo o Segadas que me abraça. Dou um tchauzinho de longe para um amor que passa. Qualquer maneira, amor, menino, menina, valerá! Axé Renato Russo, Cazuza, saudades de Clara Nunes cabocla da beira do mar, da maré cheia. Até vinte e quatro de março no SESC (Arsenal é seu nome de guerra!).

*Luiz Renato de Souza Pinto, ator performático, poeta, escritor, 
 professor e botafoguense
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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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