Palavras desgarradas de Eda Nagayama. Soltas. Nominais. Latentes. Leitura lenta. Sofrida. Necessária.

“Aleluia. Vai. Não. Agora não sabia mais. Outra.

Droga. Não.

Não. É. Deus. É. D´Ele.

De repente. De repente. De novo. Não. Meu Deus.  No ponto errado.

Meu Deus. O apedrejamento. De novo. Sempre. Há mais escuridão em noites como esta. A mulher volta à sua cabeça. O sonho volta. O peso no peito.

Muito chão. Shhh. O que vai ser de mim. Fés.

Outra. Azeda herança. Não. A sombra volta.

Um destino. Ah. Bom. Assim. Bom. Aleluia.

A mamãe.  Câmbio. Câmbio.

Antes. Muitos anos. Súbito. Silêncio.  Não para. Agora. Agora. Bom. Ninguém pode saber. Depois. Muitos anos. Silêncio. Meu pai. Por favor.

É. Borboletas. Só dele.

Será. De onde. Seu coração aperta. Mas e a fé.

Droga. A sombra. As mãos. Deus.

Sim. De repente. Sim. Vai. Nada. Um desperdício. Não. Uma urgência. Súbito. Nada. Sem fé. Meu Deus. A sua menina. Um vazio.

De propósito. Dentro dela. Raios e trovões. Arrependimento era assunto do pastor. Outras. Alvíssimo.

Seco. A única. Sempre. Não. Pequeno demais.

A Sua presença. Daquela mulher. Não. Minhas palavras de amor. De novo. Um frio na barriga.

Acontece. Ruim. Sente um frio na barriga.

Não.

Não. Sem fé. Ex. Homens.

É.

Pena. Como. Merda. Não.

Não. De desgarrares. Se havia tantas outras. Cuidado. Quase sua vez. Sua vez. Dó. Sem Ele.

Ainda. Lembra do pastor.

Jamais.

Pelos. Garras. O mau presságio. Não.

Deus testa. Que ousasse. Seu irmão. Não. Claro. E agora.

Mais gorda. Salvação. Sempre. Tanto. Deus.

Por Deus. E se.

Nada. Que noite será esta. Reconhece. Morte barata. Sem escapatória.

O coração aperta. Déficit. Até digerir. Ah.

Uma náusea. Claro.

Para sempre. O Mal. Perder uma. O sangue. O seu presságio. Não. Que fé.

Na escuridão. Acovardada. Morto. Vivo. Ali. A fresta. Sem volta. Não. Por onde o Mal penetra. Deus. Será. A fresta.

Apressa-se. Ou não. Merda. Cacos e sangue. Sangue.

Ainda. O quê.

Uma desordem. Um abandono. A velha. Silêncio.

Não. A raiva. Por favor. Sim. Não.

Por favor. O mal. O Mal. Mal. Não. Não. Sim. Não. O pastor cai de joelhos. Meu Deus.

Ele dentro dela. Quase. Merda.

Já.

Tchau. Ainda. Aquilo. Não. Ovelha, muito ovelha. Do mal. Do Mal. Será. A Sua casa. Será.

Afinal. Antes. Ali. A cadeira laranja. Noite adentro. O pastor no mundo. Outro tipo de fé”.

Os fragmentos acima são extraídos do livro “Desgarrados”. Cada um dos parágrafos se constitui de palavras e ou frases que estão solitárias em seus respectivos parágrafos. Fiz nova paragrafação agrupando-as de acordo com a divisão do texto proposto pela autora, subdividido com as marcas ***, ao longo do livro. É como se pudesse ser feita uma leitura apenas com os parágrafos em destaque pela possibilidade de sugerir diálogo com o leitor. Um texto dentro de outro. Novo subtexto que propõe outros mergulhos na trama (ou não!).

Talvez pela sua formação em artes cênicas, a exemplo de outra escritora atual, Aline Bei, sua narrativa apresenta traços de identificação com roteiros de cinema, ou mesmo de televisão – e não me refiro aqui a essa febre de séries da Netflix que, independente da qualidade narrativa, reproduzem o velho mecanismo de folhetins que veio dos jornais, passou pela novela de rádio, pela televisão e, sob nova roupagem, busca se apresentar como algo novo.

A agilidade e fragmentação que atravessa o conteúdo/forma da narrativa ajuda a compreender os interditos (que são muitos). É de se observar os advérbios de negação que atravessam a obra e vão demarcando o território arenoso que a psicanálise utilizaria para diagnosticar qualquer coisa além da semelhança ou assimilação. Mãe, filha, mulher = ausências.

A mulher pensa no vizinho. Morto recente. Solteiro sem ser só, foi de partida repentina. Ele e seus colares de miçangas, de chifre serrado em anéis pretos. Ela achava bonito, apesar de ter dó do boi. Mas se comiam a carne em bife frito na frigideira com alho e cebola. O chifre não era ruim se podia virar homenagem (NAGAYAMA, 2015, p. 40).

Como a perda de um filho/filha pode doer na alma de um (a)  pai/mãe, pelo resto da vida. Este é apenas um dos subtextos que a obra perpassa. Talvez ajude a compreender o porquê de parágrafos pequenos, de frases nominais, de fragmentos inclonclusos de pensamentos perturbadores. Que o leitor também sinta o que essa narração tem a dizer. Que não se apegue a ornamentos desnecessários para a condução da narrativa. A morte do bebê gira em torno de outros personagens. “A morte espalhada sobre todos. Por causa de uma menininha adormecida. Enrugada das águas do ventre da mãe. A cara de joelho de todos os bebês. Sem tempo para alisar a pele e fazer da sua uma carinha única” (NAGAYAMA, 2015, p. 73).

“Desgarrados” é um livro sobre a vida. Sobre a necessidade de se superar a todo tempo coisas ruins, inusitadas, imprevisíveis. Um espaço de volta para dentro de si, mergulho que nos traz a paz de espírito e a inquietação da alma que, por paradoxais que pareçam, são apenas dois dos lados de uma mesma moeda/moenda que nos lembra sempre que ao pó, um dia, voltaremos!

 

REFERÊNCIAS

NAGAYAMA, Eda. Desgarrados. São Paulo: Cosac Naify, 2015.

[1] O Peso do Pássaro Morto. São Paulo: Editora Nós, 2017.

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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