Raul Fortes

Conta-nos o passado que nas terras romanas, gregas e egípcias, o povo já se divertia ao festejar o solo fértil e a farta colheita. Carrum navalis ou em nossa língua pátria, carros navais, compunham o cenário da abertura das festividades em honra aos deuses. De Osiris por conta do Nilo, passando pelo Momo, deus da zombaria, até chegar nos copos fartos de vinho em honra ao deus Dionísio, o culto aos deuses não se esquecia também de Saturno, Baco e Júpiter.

Mas o que chamaria mais atenção nos contos do passado é a figura de um soldado, que por ser considerado belo, seria entronado como o anfitrião da festa. Seria o Rei Momo a gozar de todo os privilégios de uma realeza que ao final da festa teria um trágico fim: seu sacrifício no altar de Saturno. O tempo transformaria os termos de escolha de um Momo e a beleza perderia seu status para algo que mais representasse as colheitas fartas: a obesidade como imagem da fartura e das extravagâncias. Da França do século XIX nos vem a criação dos confetes e serpentinas.

Momus – Série Bacchus – Conelis de Vos

Da Veneza italiana e seus bailes de mascarados, advêm as máscaras que naquele tempo permitiria aos nobres se misturarem com o povo. Aliás, por causa delas o Romeu de Shakespeare conseguiu adentrar numa festa e assim cair de amores por sua Julieta…

De volta ao motivo das minhas palavras, outra versão paira sobre a origem da palavra CARNAVAL: se os carros navais carregavam homens e mulheres nus, outros pesquisadores atribuem à festividade o termo latino Carnem Levare, ou ficar livre da carne, posto que após a festa a liberdade seria restrita pela Quaresma, onde por 40 dias os cristãos teriam que se abster do consumo de carne.

Jean-Baptiste Debret (1768-1848) retratou a prática do entrudo durante sua estadia no Brasil através da gravura acima

Em terras brasileiras no século XVII, o carnaval português chamado Entrudo teria seu terreno propício com as brincadeiras feitas com água. Daí, limões, laranjas, lama, farinha e ovos seriam as munições do folguedo popular carnavalesco. Como momento único de poder viver fantasias, teríamos também homens vestidos com roupas femininas. Óh abre alas de Chiquinha Gonzaga inaugura o período das marchinhas para se dançar e ao que se sabe, devemos os blocos ao ato de um sapateiro solitário que saiu pelas ruas do Rio do século XIX a tocar um bumbo.

O Sr. José Nogueira Azevedo mal sabia que uma multidão se somaria ao seu lado para estabelecer de vez o período dos blocos de carnaval. Todo este cadinho cultural chegaria às terras pantaneiras. Embalados pelo ganzá, por mochos e violas de cocho, a figura de um boi sai pelas ruas a correr atrás do povo que assiste a brincadeira passar.

Foto: Ivan Belém, blogspot

Para a tristeza de muitos, as belezas do nosso carnaval se vêem aos poucos substituídas por costumes de outras bandas, letras e adereços em geral. É o chamado “progresso” que bate às portas do Rio Cuiabá, emudecendo as cantorias de Cururus e siriris com modelos de outros Rios. Mas isto é outra história que não nos cabe aqui lamentar. Um viva a todos que nessa época ajudam a empurrar a “Cristaleira” como dizia uma marchinha composta e cantada em nossa tradição cuiabana.

 

Raul Fortes é radialista, músico, apresentador de TV, pesquisador, cronista, 
produtor cultural...

 

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