Por Caio Mattoso*

Já tive um fusca e se eu o usasse para transportar pessoas, assim como se eu tivesse autorização dos aplicativos famosões para usá-lo o asfalto da minha cidade já o teria moído. Este de tão descuidado que é. Tudo bem, nunca gostei muito de asfalto, mesmo. Imagine fazer 15 corridas de fusca 84 por dia!

Às vezes eu penso em não xingar a Uber e a prefeitura porque quando inovamos o pepino que se tem nas mãos é equivalente ao blablablá que se dá no planeta correspondente. Se você ler a parte da história da filosofia com organização de Jean-François Pradeau, por Luc Brisson, na Política do maluco inspirador da igreja da idade média, o Platão, (sua questão de alma vem da tradição dos escritos mais antigos, ter alma é ser imortal), saberá que o ateniense define=limites tanto para a pobreza quanto para a riqueza, um exemplo é o direito mínimo de uma parte do solo da cidade.

Aposto que ele (Platão) precisava de gente pra sua escola. Pronto, isso sim é amor platônico.

Pense comigo: fiquei sabendo que a Uber abriu capital. Ou seja, vamos poder investir nela. Nós motoristas, que ganhamos pouquíssimo, bem que poderíamos ser acionistas como parte do nosso pagamento, assim eles redimir-se-iam por nós. E deixariam de ser tão relaxados, mantendo a excelente ideia que é ser uma empresa de carona a bom preço.

Recebi uma chamada. Eu já estava indo embora pra casa. Coloquei modo destino (quando o motorista define ir para um lugar e abre para receber chamadas pelo caminho). Atendi uma moça, trabalhadora, no centro. Hora do rush. Não dá pra errar o caminho. “Pouco trânsito”, muito carro na rua. Mas errei. Já estava cansado.

Deixei passar a rua, não virei à direita. Sem remissão. Acho que fiquei mais nervoso que a passageira na hora. Acho que a moça ficou nervosa. Acho que sou neurótico. Nem imagino o que ela pensou. Tava na hora de “maior trânsito”. 18h. Como conheço a cidade, fiz uma rota alternativa para corrigir o erro, mas com certeza andamos mais. Pensei: como posso consertar meu erro? Vou devolver o dinheiro, falei. Falei mesmo, sem dor. Foi tenso. Ela aceitou; quanta maldade!

Defendo abertamente aqui a valorização financeira do motorista. Não quero de maneira nenhuma detonar por detonar. É bem diferente de fazer arte pela arte. A Uber tem engenheiros, diretores, céus, o escambal. E tem muito mais motoristas. Tenho certeza disso. E a transformação vai vir pela minoria. Por quem está ganhando mais. Ou a Uber vai me contratar pra ser do seu departamento de comunicação? Seria a greve uma alternativa? Os jornais não têm tempo nem dinheiro pra militar, ser jornalista já é uma militância. Os frentistas dos postos não vão avisar para os motoristas pararem. Os passageiros não vão gritar por nós em 2020.

Quero estar errado.

Ainda bem que eu não lembro da fisionomia dela. Além de tudo, ainda me deu nota mínima de avaliação. Talvez não haja transformação.

Caio Mattoso é poeta, compositor, músico, filósofo, ator e motorista de Uber 
nas horas vagas.

 

Comentário

  1. Nossa, Caio. Pega na veia. Tenho conversado MUITO com os uberistas, e é desumano o trabalho aqui. São mais de 10 horas de trabalho diário pra tirar cerca de 100 reais, quando muito… visto que é preciso arcar com gasolina e custos gerais de manutenção do veículo. 😐

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here