A sacada do Cine Teatro em Cuiabá me remete ao ano de 2009, quando trabalhei como assistente de produção no Festival de Cinema e Vídeo – Cinemato. Aquele teatro se tornou meu, suas escadas, suas portas escondidas, camarim, palco, poltronas, a entrada. Cada local me reserva uma lembrança de um dos primeiros trabalhos que fiz, de como tudo aquilo era novo e emocionante para mim. Mas, a sacada é especial. Dali se pode ver uma Cuiabá cristalizada no tempo. Por mais que as mudanças aconteçam todos os anos, aquele pequeno recorte de paisagem, com a Igreja ao lado, um vislumbre da Praça Alencastro e a avenida que sobe sinuosa quase como um rio de concreto, permanece como uma janela para outro tempo.

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O Cine Teatro reabriu depois de um ano e meio fechado. Sai antes da peça terminar e vi a porta para a sacada aberta. Não resisti. Mas, antes de me reencontrar com minhas próprias memórias me surpreendo com uma exposição de fotos do acervo do Museu Histórico de Mato Grosso e do Museu de Imagem e Som. E reconheço uma Cuiabá que nunca conheci. Com as palmeiras como uma cidade à beira-mar, um porto com barcos grandes atracados, realmente um porto. As ruas pequenas, tortas, os paralelepípedos. Os casarões antigos. As igrejas – estas parecem vencer ao tempo e permanecem intactas. E a intervenção do homem que começa a modificar a cidade.

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Tem muita poesia nestas fotos, mas elas me trazem um pesar profundo, um sentimento de perda, daquilo que nem sabia que me pertencia. Aquela Cuiabá era minha, era da minha mãe que veio para cá na década de 70, que me conta suas aventuras – desbravar Chapada dos Guimarães, conversar com turistas na região da Praça Alencastro, o rock’n’roll que nascia, os artistas que efervesciam uma vanguarda no coração do Centro-Oeste.

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Cuiabá teve tudo isso. Mas essa poesia não se perdeu. Ela está aí, em nossas ruas, em nossos nomes, rostos, histórias que se intercalam, se entrelaçam. Essa poesia precisa ser redescoberta, precisamos voltar a sentir a cidade como nossa – ela nos pertence. E se nós não cuidarmos, não amarmos, valorizarmos, logo estaremos desconhecendo a nossa própria casa em fotos do passado. Na época da Copa do Mundo bati na mesma tecla muitas vezes, por que tentar transformar a cidade naquilo que ela não é ao invés de se valorizar aquilo que se tem e faz dela encantadora?

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Cidade do garimpo, nascida do ouro e do sangue, das lágrimas, da dor, da luta. E ela é nossa. Inteiramente nossa, de seu povo, e é este povo que tem o dever histórico de resguardar suas ruelas, seus paralelepípedos, seus casarões, seu centro histórico, suas lendas, seus causos, seus ditados populares, suas árvores para preservar o nome de cidade verde, os bosques da Universidade Federal que ano a ano são dizimados.

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Eu não quero desenvolvimento. Eu não quero progresso. Para mim estas duas palavras juntas são sinônimo de um período obscuro que em nome do tal progresso e desenvolvimento promoveu-se verdadeiras barbáries contra as pessoas, o meio ambiente, a cultura.

Eu quero esse tempo lento como o das fotos dessa Cuiabá antiga. Quero esse recorte no tempo. E me imagino andando tranquila pelas ruas, entre as árvores, sonhando com esse pedaço de memória que não me pertence, mas está vivo em nós, cuiabanos de tchapa e cruz.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

Comentário

  1. LINDA MATÉRIA PARABENS…
    me pego pensando… como era a vida na época dessas fotos, como viviam, quais histórias esses casarões contam, contam uma história do povo cuiabano que não pode ser perdido ou desvalorizado pelo tempo, ou falta de interesse.

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