A poesia ecoa pela rua e invade as pessoas. Uma senhora fica na porta de sua casa contemplando os jovens reunidos para recitar poesia. Algo que pode soar estranho em tempos líquidos de telas lcd. Mas, a poesia reuniu pessoas que se dispuseram a fazer da rua o seu palco, e a plateia sentada fazia da calçada suas cadeiras da primeira fila neste teatro a céu aberto. A poesia vencendo o som que predominava na noite de sábado, vencendo os refrões repetitivos da música sertaneja universitária. A poesia vencendo os carros que vez ou outra incomodavam os poetas, que incorporavam aquele devir dos automóveis à própria performance.

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Foto: Carol Marimon

E nesta poesia que invadiu a rua falou-se sobre o corpo da mulher, o direito de decidir, o aborto, o machismo, o racismo, o sistema capitalista que segrega seres humanos, e sobre as angústias que afligem essas almas que se embrenham na poesia como para ser, mesmo que por um instante, este feixe de luz, que sobe ao ar, resistente, mas leve.

Assim foi a 1ª edição do Slam do Capim Xeroso na Praça da Mandioca. O slam poetry é conhecido como uma disputa de poesia falada autoral. Foram poucos os inscritos (menos do que o esperado e do que o estipulado pelas regras), porém, a primeira edição cumpriu seu objetivo.

Poetas recitaram suas poesias próprias, com o papel ou a letra na mente, fizeram da rua um espaço coletivo de troca poética, reverberaram o som de suas vozes para o alto, venceram os carros que passavam autoritários, e nos fizeram esquecer da música que intervia nos versos. A poesia se fez na rua. A poesia é marginalizada. E ali isso foi visível. Os poetas resistem. E as pessoas vibram com a poesia, batem palmas, torcem, se emocionam com a poesia que brota de cada um.

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Pacha Ana foi escolhida pelos jurados como a vencedora da 1ª edição do Slam do Capim Xeroso – Foto: Carol Marimon

O projeto é tocado de maneira independente, um banca o som, o outro cuida da divulgação, organização e quando se vê, a rua é o espaço para se fazer poesia. Para brincar de trocar versos. A ideia é que todo último sábado do mês, o Slam do Capim Xeroso aconteça.

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Foto: Carol Marimon

Na disputa final, a surpresa: três mulheres. Três vozes femininas com poemas sobre seus corpos, sobre a sociedade, sobre como é ser mulher. A rapper Pacha Ana foi escolhida como a melhor poeta da noite pelos jurados (cinco pessoas do público foram escolhidas na hora da competição). Acredito que ela tenha merecido, sua poesia sobre o aborto foi muito forte. “Mi cuerpo, tu te calas“.

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Foto: Carol Marimon

Este sopro de poesia trouxe para a noite um ar fresco, diferente, com a certeza de que é possível reunir as pessoas, que esses encontros culturais, artísticos proporcionam uma experiência única, que traz para a realidade que é possível fazer arte, sim, na rua, em conjunto, com união, fazer por que é preciso fazer. É um sentido novo para ocupar esses espaços, que são nossos, nos pertencem.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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