Nos anos de 2008 e 2009, militávamos num movimento, do qual fiz parte da Executiva Nacional, ao lado do Teatro Mágico, com Gustavo e Fernando Anitelli (SP), Leoni (RJ), GOG (BSB), Sol na Garganta do Futuro (ES), Richard Serraria (RS), Juca Culatra (PA), Ewerton Rodrigues (RS) e muitos outros comparsas cúmplices das lutas libertárias. Nosso movimento Música Para Baixar foi taxado de xiita certa vez na Conferência Nacional de Cultura em Brasília, do qual fiz parte como relator do tema mais enrascado e que ninguém queria segurar a barra.

Leoni - Foto: Divulgação
Leoni – Foto: Divulgação

Topei e peguei, era a cara do nosso movimento que pregava o direito livre, o tema: Direito Autoral. Como relator coloquei ali minhas (nossas) impressões, do movimento que pregava liberdade radical na troca de arquivos, como músicas filmes, fotografias, artes visuais, enfim, a cultura do compartilhamento da cultura como bem maior e universal que não pode levar etiquetas de propriedade privada num mundo em que a propriedade é o tom de todas as horas.

Ora, a cultura sempre circulou livremente e foi responsável pelas grandes transformações que a humanidade experimentou. A tradição oral dos griôs na África, o teatro mambembe europeu, a contação de histórias na transmissão livre e imaginária de pais e padrinhos para os mais novos, a música que circulava pelos mais diversos pontos de encontro no mundo, os folhetins que eram grudados nas paredes dos bares e cafés em cenas puramente parisienses, e assim por diante.

O direito de autor é recente na história e daí se criou a figura que a priori deveria proteger o autor mas que na prática sempre privilegiou os atravessadores, mercadores da fortíssima indústria do entretenimento. Em nossas movimentações participamos ativamente dos debates no Fórum Social Mundial, encontro de Mídias Livres, Teias, Oficinas de Inclusão Digital, encontro mundial de Software Livre, estávamos embriagados do desejo de liberdade, criatividade, solidariedade, sonhávamos com um mundo compartilhado, colaborativo e verdadeiramente livre na sua capacidade de criação de conteúdos artísticos e culturais, de inovações sempre no sentido de valorizar o lado humano em detrimento da questão da propriedade.

Fórum de Mídias livres
Fórum de Mídias livres

Mas uma questão sempre foi levantada, como monetizar autores e produtores de conteúdos? Como ser justo na distribuição dos recursos arrecadados com o uso livre dos diversos conteúdos publicados? Para começar propusemos que se descentralizasse os meios de arrecadação e distribuição, com a criação de outros escritórios de arrecadação, flexibilizando e dando opções aos autores de escolherem seu próprio rumo. Criar produtos e subprodutos, circular presencialmente e uma infinidades de propostas que não vou colocar aqui agora. Blá Blá Blá.

Quando nos acusavam de pirataria a resposta era de bate pronto: fã não é pirata, é divulgador! A experiência do Teatro Mágico era nossa resposta, como case de sucesso e iluminador dos novos caminhos que apontávamos. A família Anitelli representava um alento e nos abastecia de argumentos cada vez mais sólidos. Naquele momento a comunidade mundial do software livre nos embevecia, com trocas e atualizações permanentes das inovações que não param nunca. Pirate Bay, Bit Torrent, sites colaborativos, o surgimento das nuvens-abrigos de conteúdos virtuais, tornando mais acessível criar sua próprias plataformas, enfim, as novidades não paravam (não param nunca) de surgir e com isso a ampliação do sentimento de que as coisas caminhavam para uma revolução pacífica.

De repente o mundo virou de cabeça para baixo, as coisas se complicaram, as vozes da reação cresceram, o capitalismo voraz e atroz banalizando cada vez mais a tudo e todos, tudo é mercadoria, fetiche perverso que reduz tudo a mercadoria. De repente vejo as coisas se desfazerem sem nem ao menos terem sido. Uma reviravolta na história humana, a intolerância religiosa, de gênero, na política, ninguém tolerando as diferenças, ninguém respeitando o direito ao contraditório, uma insanidade assolando nossas cabeças, uma pobreza absurda habitando as cabeças, de uma superficialidade angustiante.

Somos como personagens de Kafka, um dia acordamos barata, noutro dia acordamos com a campainha tocando, e, ao abrir a porta, somos K., vítima de um processo judicial sem nem saber por quê.

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