No começo dos anos de 1980 eu estava cursando arquitetura no Rio de Janeiro e foi um momento muito especial de retomada da democracia. Existia naquele momento uma intensa mobilização dos estudantes e de vários setores da resistência brasileira pela anistia e eleições gerais no país que estava saindo de uma ditadura militar. A música popular brasileira respirava liberdade e transpirava qualidade por todos os poros. Era o carro chefe das manifestações, os artistas puxavam o coro e inflamavam os eventos pacíficos pela retomada do estado democrático. Veio a abertura política e na sequência a anistia, com o retorno de milhares de brasileiros que moravam mundo afora impedidos de habitar nosso país, os exilados, os olvidados pela pátria mãe.

125061_ext_arquivoLembro-me muito bem do evento que culminou na tragédia explosiva do Riocentro, quando explodiu uma bomba no colo de um oficial do exército brasileiro que fazia parte de grupos radicais de extrema direita que queriam impedir a todo custo que o povo conseguisse recuperar seu poder de decidir sobre suas escolhas políticas, pelo voto, pela democracia. Esses sujeitos bolaram um plano maquiavélico para provocar a dissolução do evento que era fruto da mobilização dos artistas com Chico Buarque e outros à frente em um show-manifesto no referido Riocentro. O plano era terrível, a ideia era explodir a casa de luz, provocar pânico na multidão que se aglomerava no ambiente com o palco já cercado de pessoas esperançosas e ávidas por liberdade. Os artistas já dando início às apresentações. Outra bomba explodiria numa das entradas e uma terceira, sei lá onde. Só sei que uma delas explodiu no carro onde estava o oficial, uma falha do sistema, e o plano falhou, mas provocou correria e desespero na galera, bem menos do que esperavam, mas aconteceu.

anistiaEu estava saindo da Universidade Gama Filho depois de uma prova e ao me preparar para pegar o ônibus num ponto em frente a um barzinho próximo à faculdade de Arquitetura pude ouvir o alerta sonoro sinistro do Jornal Nacional, uma vinheta que provoca calafrios até hoje, pois é sinal de notícia bombástica (no caso, literalmente) que sempre vem acompanhada de tragédia. Era o sinal do terror que acabara de acontecer. No Riocentro, local para onde íamos em turma para assistir os shows que rolariam noite adentro. Nosso Centro Acadêmico foi o primeiro da história da Arquitetura, era uma Universidade burguesa, éramos burgueses também, porém, ávidos por revoluções.

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Fernando Gabeira voltando do exílio

Digo tudo isso para colocar em tela a importância da música, da arte em geral, como protagonista dos movimentos pela liberdade, pelo humanismo, pelas causas sociais, pelas causas humanitárias e políticas na acepção plena da palavra. E também de como a MPB foi pródiga na contribuição pela formação do Brasil contemporâneo. A juventude precisa se ligar nessas histórias recentes até mesmo para se reconhecer. A vida não começou ontem, temos história e os artistas sempre estiveram na vanguarda dos protestos e das lutas da vida. A música brasileira teve um momento de tamanha riqueza e influência em nossa formação cultural com apreço pela poética rica e diversificada. No nordeste, no sudeste, centro-oeste, enfim, em todas as regiões do imenso e continental país em que vivemos.

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Tudo isso brotou de minha memória ao ver o encontro desses três gigantes da música brasileira, Alceu Valença, Elba Ramalho e Geraldo Azevedo que incluíram Cuiabá na tour que comemora duas décadas da vitoriosa primeira edição do encontro que fizeram em 1996. À época bateram a marca de um milhão de discos vendidos, alavancando os intérpretes ao topo das paradas de todo país.

Revezando-se entre trios, duetos e solos, eles cantam seus maiores hits, que não são poucos. Clássicos que todo mundo quer ouvir, entre os quais figuram “Anunciação”, “Banho de Cheiro”, “Dia Branco”, “Tropicana”, “Moça Bonita”, “Caravana”, “Belle de Jour”, “Canção da Despedida”, “Coração Bobo”, “Táxi Lunar” e “Bicho de Sete Cabeças”.

grande-encontroA magia do novo encontro tem novidades em sua atual edição. Se o show original possuía um formato acústico, com versões que recriavam a mística do cancioneiro com intimismo e delicadeza, o novo espetáculo incorpora uma sonoridade elétrica e percussiva. Esbanja energia sem perder a ternura.

O espetáculo já passou por São Paulo, Recife, Salvador, Brasília, Fortaleza, Porto Alegre, Belo Horizonte, entre outras praças. No final de 1996, o álbum gravado ao vivo no Canecão (RJ) vendeu mais de um milhão de cópias e estabeleceu um marco para gravações de shows ao vivo no Brasil. O Grande Encontro rendeu mais dois CDs e um DVD, sem a presença de Alceu. Vinte anos depois, a magia se renova.

Serviço

O Grande Encontro
Data: 2 de setembro, sábado
Local: Centro de Eventos do Pantanal
Informações: O Grande Encontro – Facebook

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