Ivy Menon

Quem admira os campos de girassóis na beira do caminho, quase sempre em cartões postais, não imagina o trabalho que dá fazer o amarelo exuberante voltar-se hipnotizado para o sol. Poucos sabem do suor escorrido e do tempo gasto para se cultivar a esperança de flores e sementes que encham os olhos dos que compram felicidade e os bolsos dos que lavram a terra.

Cresci semeando e sabendo o tempo das sementes. O feijão e o milho no seco, ou no meio do cafezal; o arroz, na várzea; a soja, plantio direto com curvas de nível, era melhor. Horta medrando geada, adoçando com geada, cobrindo-se do sol, expondo-se ao sol. E canivetes e arapucas e chiqueiros e currais… meu dia a dia.

E tinha o plantio e cultivo do girassol. O dono da fazenda espalhava sementes como que ao vento. Não. Ao vento não. Ele plantava cinco grãos em uma cova a cada meio metro. Nasciam todas. E nós, os boias-frias, éramos os encarregados de resolver o problema do excesso de mudas. Uma das tarefas mais difíceis de ser cumprida: “ralear girassol”.

Ainda me lembro, como se fosse hoje, a técnica usada: eu começava às seis e meia da manhã, ainda quando o sereno caía. Enfrentava, olho no olho, a fileira de girassol que, às vezes, chegava a quatros quilômetros de extensão… tão lindas as mudinhas. E a teoria do mais forte se fazia real por minhas mãos. Era a evolução sendo forçada. Darwin de mim se orgulharia. Eu me abaixava na primeira cova e arrancava duas ou três, das cincos ou seis plantazinhas. Sempre as mais miúdas. As que não tinham chance de vencer.

Enquanto, andava de quatro, a selecionar as vencedoras, eu me lembrava dos ritos antigos, ainda presentes em algumas culturas que se escondem por aí: matar os mais fracos. Na verdade, sabemos ser a vida raleada, todo o tempo, à frente de nossos olhos. Seja ao sol escaldante. Ao relento. Ou ao frio implacável. E participamos dos ritos, conscientes da nossa superioridade. Seguimos as ruas brincando de bem-me-quer-mal-me-quer com os que passam por nossas vidas.

E não nos fazemos gente assim? Matamos nossas fraquezas, escondemo-nos das deficiências para apresentar ao mundo a nossa melhor vestimenta. Só as mudas fortes vencem. A teoria do sucesso a qualquer custo nos coloca o tempo todo na parede. Ou melhor, nos faz agachar e arrancar com as próprias unhas as mazelas. Porque deformidades e fraquezas não combinam com o topo do pódio.

Revendo um poema escrito há anos, me lembrei do tempo que passava raleando girassol. As costas ao sol, me abaixava para separar o que não prestava do que tinha que dar certo. Ganhava o pão do dia matando as mudinhas fracas. Ainda me recordo de vê-las murchando em meu rastro. Sentia uma certa pena das mortinhas. Autocomiseração apenas.

Hoje, arranco excesso de letras. Raleio meus poemas. Faço limpa nos girassóis escritos no computador. Da terra, restou-me a Poesia. E sangra. E murcham, arrancadas e jogadas no meio do caminho, as que não têm possibilidade de frutificar.

Contaram-me que, quando nasci, era tão pequenininha que minha avó alertou meus pais: “nem compensa comprar berço que não vai vingar. De oito meses, e desse tamanhinho.”. Minha mãe me amamentou no peito. Meu pai me fez um bercinho. Imaginem quantos girassóis perdidos poderiam ter-se tornado poemas ao meio-dia.

 

Ivy Menon, 62 anos, natural de Cornélio Procópio-Pr, escreve poesia, crônicas e contos, os quais publica nas redes sociais e e revistas eletrônicas. É bacharel em Direito, com pós em Filosofia, além de jornalista e teóloga. Gosta, de verdade, de ser vovó! Aposentada, mora em Rio Negro-Pr. Uma das finalistas (Poesia) no Prêmio Off Flip em 2018 e 2019

 

3 Comentários

  1. ivy Menon Dialogou com a minha infância nas lavouras de café, a colheitas de algodão, das geadas, chinelos de dedo e paletozinho de flanela. Vida laboriosa vivida como um rito, seguindo as 4 estações e as 4 fases da lua. Hoje minhas vivêncis da infância ilustram meus livros de poemas e narrativas. Grata por compartilhar suas experiências marcantes. Sigamos a vida raleando poemas! Abraços

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