Fomos assistir a um recital de música de câmara contemporânea que fez parte das comemorações dos 60 anos de vida do grande músico, compositor e maestro Roberto Victório. Anna Marimon, ainda vacilou e quase perdeu a hora do evento que ocorreu no Teatro da Universidade Federal de Mato Grosso, por sorte, voltei em casa e ela pode me acompanhar. Depois confessou: seria imperdoável perder um espetáculo desses em Cuiabá!

Conheço Roberto Victório desde 1994, época em que fomos companheiros de Conselho de Cultura do estado, o primeiro Conselho instaurado com o governador Dante de Oliveira que nomeou um bando de notáveis e um corpo (eu) estranho. Faziam parte: Roberto Victório, Ricardo Guilherme Dicke, Aline Figueiredo, Ivens Cuiabano Scaff, Júlio Delamônica, Marlene Kazarin, Divino Arbuês e eu. Eram bons os debates. Isso tudo antes dessa pretensa profissionalização que vem acontecendo no meio, de artistas que miram, tão e somente, a política de editais, e os governos que até hoje continuam com propostas de políticas insossas e populistas, sem paixão, sem alma, de gestores que parecem acompanhados de uma preguiça mórbida permanente, burocráticos em excesso.

Era muito bacana sair das reuniões do Conselho de Cultura (onde “briguei” muito até ser “expulso”, ainda tenho os cadernos de cultura dos jornais em recortes que carrego) – muitas vezes, Dicke e eu, íamos de carona com Roberto e as conversas eram impagáveis – o carro pequeno, não me recordo nem o nome ou o tipo do carro, parecia um mini jeep, azul claro com capota de plástico (lona?) de listras azuis e brancas. Sei que foram momentos incríveis, Dicke com seus imensos silêncios entre risos de escárnio puro, as risadas longas e loucas de Roberto Victório (sempre me lembrava do personagem principal do filme Mozart), eu falando mais que a boca. Esses momentos foram com certeza das melhores experiências da minha vida, momentos de esplendor, entre sonhos e rupturas. Queríamos mesmo mudar o mundo.

Dali, foi o início de uma amizade sólida, sim, somos amigos de verdade até hoje, e para sempre! É um prazer imenso receber as visitas semestrais do Roberto no quintal de casa, ensolarado, repleto de pássaros e pausas, com conversas animadas regadas a cervejas que ele sempre trás, sempre experimentando novas cervejas, entre assuntos que não acabam nunca. Estamos sempre conectados e atualizados, pelos concertos, pelas mídias sociais, pelos encontros casuais.

Naquela época, 1994, 1995, Roberto me passou um projeto de filme, iniciado por ele em parceria com Luiz Borges – que não progrediu – e me provocou envolvimento obstinado até conseguir realizar o filme, mais de vinte anos depois. Aroe Jari, uma ópera doc, sobre o ritual funerário Bororo, a música ritual que advém daí, sua estrutura dentro do jogo-teatral mítico que nosso compositor dissecou em sua pesquisa etno-musical para conclusão de doutorado na UFRJ. Depois, muitos anos depois, o trabalho foi publicado em livro, no qual, junto com Terezinha Prado, escrevi uma das apresentações. Antes desse filme ele já havia trilhado uma animação de massinha que fizemos, Rodolfo Schefler e eu, o “Quem TV?”, que foi selecionado para o Festival Tóquio JVC, o maior do mundo na época, por volta de 1999. Um vídeo caseiro, filmado em Super VHS.

É preciso dizer aqui que Roberto Victório tem uma carreira internacional consagrada. Sua obra circula por mais de 90 países, é reconhecidíssimo e suas composições são interpretadas por músicos de vários países pelos mais diversos eventos e salas de música contemporânea no mundo. Música que está muito longe ainda de se popularizar dado o grau de rejeição que sofre por muitos músicos e maestros que conservam o conhecimento musical do século XVIII como cânone absoluto, renegando a música que propõe outras formas que não a música serial, nos embalos de Bach, Beethoven e cia. Roberto, nesse ponto é radical, não faz concessões. Já drigiu a Orquestra da UFMT por meros e ralos três meses, sendo tirado quando começava a provocar uma revolução no cenário musical conservador que prevaleceu e prevalece até hoje. Ora, a Universidade é o lugar onde é preciso estar na ponta do processo, andar na vanguarda, ou não é? A música mudou e muito desde a á epoca desses eleitos que são reproduzidos até hoje. As frequências são outras, a tecnologia, a pesquisa musical, o reconhecimento de outras escritas e formas mais avançadas de composição. Ora, já passamos por Stockhousen, John Cage, Shoenberg, Debussy, Rogério Duprat e muitos outros.

Ao assistir ao recital que aconteceu no teatro da Ufmt, semana passada, como parte da primeira Maratona Musical da FCA, no momento em que Victório comemora seus 60 anos de vida, não evitei a emoção de vê-lo estreando três peças inéditas de sua autoria, a saber, “Seis nano peças”, para clarone (Bruno Avoglia) e clarinete (Jéssica Gubert) brilhantemente interpretadas; “D’jar II” com Jéssica, Bruno e Roberto ao violão (magistral apresentação dos três) e, “Grund IVb”, com os três mais uma vez, e Roberto mudando de instrumento, do violão para o violoncelo. Só posso dizer: foi brilhante! A música preencheu os espaços do ambiente e de minha mente, senti-me flutuando em uma bolha por temp(l)os onde habitam e celebram seres imemoriais – das profundezas da Terra. Grund.

Um orgulho ver o meu amigo arrebentando no palco, com músicos formados aqui, abrindo espaço no repertório para jovens compositores, é muito bom ver o entusiasmo do genial compositor e maestro!

Parabéns, meu amigo, sua estrada ainda vai longe. Não há limites para sua música que insiste em desbravar novos rumos. Como acreditou Oswald de Andrade, espero que um dia a massa (multidão) possa comer do fino biscoito que fabricas.

Comentário

  1. Eh meu grande amigo, e por isto ou aquilo que digo que nossos livros da vida são repletos de fatos e casos , significando a nossa passagem com louvor na vida terrena e espiritual, e não de páginas em branco da nossa não existência, parabéns.

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