Por Glauber Lauria*

– Será que Nijinsky pairava mesmo no ar?

Que como uma estátua ao ar parava?

– E de rubras rosas os braços cheios, faces vermelhas, a bailarina se inclina!

– Ou será que estes dez anos de vôos solos

Sola, soam, como pássaros, que se arrastam?

– Ser professora? Uma porra, antes puta!

Puta, hum! Talvez suicida, quem sabe?

Ah, a vida, a vida é uma coisa sem poesia.

-Já a bailarina é como o mar, turva como uma tormenta, serena como uma brisa, ou, toda convidativa

– “Eu sou uma pessoa má, eu menti, pra você”, trecho, música, Karina Buhr

“La donna è mobile, qual piuma al vento, muta d’accento, e di pensiero” , trecho música, Verdi

– Atirar as sapatilhas ao alto, vê-las e cair e segui-las?

Professora, ribalta, suicida

-Ah, um corpo de baile, um chá dançante, um Arlequim!

Colombina de rua vazia

– “Quem descerrar a cortina, da vida da bailarina, há de ver cheio de horror, que é ela, é forçada a enganar, não vivendo pra dançar, mas dançando pra viver” trecho, música, Elis Regina

– Ai, a Elis!

E eu, uma bela mentira, uma ave rara, uma sonhadora, uma injustiça?

O Ballet!, e a vida

Girar girar girar, volúvel, evoluída

Ou uma coluna, esguia

– Esgrimir o ar, ser uma fantasia, a menina, com seu repertório erudito

Deborah Colcker é uma briga

Pina Bausch, zumba de academia

Fidélio, O Lago dos Cisnes!

– Terminar amarga como uma velha diva dando aulas baratas para meninas que querem ser bailarinas? Terminar como uma velha tia, vegana, cheia de gatos e discos antigos?

– Ou ser a carícia da crítica, ovacionada nos palcos, toda honrarias?

– Danço em valsa sinuosa delicadeza e graça, corpo solto ao espaço, faço movimento em pose, toda deslize, um passo, pernas que se multiplicam em pares, danço bailo e salto, alma que enleia os astros, tutu, plié, compasso, brincadeira e ballet clássico, desenvoltura prática, serenidade, poder, em dança atravessar o palco

– Diva de contos de fada, girando sobre si, a si abandonada

Se a poesia é música, o gesto, palavra, voltamos ao mesmo, o corpo fala

– Eu hoje sou toda corpo, alma, lavra

Calíope, quem musa basta?

Agora me arrebata, me quer sempre, agora, assassinada!

– Danço esta tragédia, ser artista, não ser nada

Dançar para quem?

Ballet para taras

– A beleza é eterna, tocas seres danados, que desastrados sonham, com passos, em ruas sem graça

O palco tem essa solidão, essa arte, é domínio, ausência de contato, ser, em presença abstrata, atriz, aplauda, sempre me pergunto como fiz

Como faço?

Palco, ballet, teatro

Sou isso durante essa hora, em que não me acho, tão bom assim, ser, sem ser de fato, dou para os outros essa outra, que talvez, seja eu verdade, Ballet para vivos, teatro para pasmos, palavra diz, arte em estado

– Eu menina, árvore ao vento, torvelinha, passada

– Como a vida pode ser só isso, como a vida sem arte?

– Só quando toco, a beleza in loco, sinto algo

– Eu rainha, grega romântica, uma Safo suicida

– Quantos versos a história sobrevivem?

Fragmentos, cismas

Eu, perdida

Senhorita bela, à deriva

– Versos assolam esta alma em crise

Solução?

Um grito

Ser, dança vazia

Belo corpo, mas, sozinha

– Será que danço ballet ou é a terra que oscila?

Quem sabe um passo, quem sabe suicida, poesia para a noite, dança para o risco, palco, meu delíquio

– Bom, chega de vaidade, delírio, oscilações, contradições, interstícios, minha vida existe por arte, o resto é só tudo isso. Boba e sola, eu, tão tadinha, preciso falar com alguéns, ver pessoas, derramar issos. Bailarina e poeta? Poderia ser puta, não fosse tão difícil. Ficar louca? Não sou agraciada com tal premissa. Ai, o que me resta, porquê querer ser tanta coisa junta?

Não poderia apenas viver, morrer de tédio, ser tranquila? O que me inquieta, por que esse castigo? Por que meu corpo se move, por que as palavras vibram? Poeta, ansiosa, bailarina. Se ao menos fosse rica, podia ser nada, ficar pensando em coisas que não faria, viajar, tomar comprimidos, ser vazia. A inteligência na indigência é outro suplício. Podia ter nascido burra, me contentar em ser administrativa. Por que abandonei arquitetura? Por que querer ser bailarina? As vezes penso que minha vida é que dança, eu apenas contemplo isso, não criei os movimentos, isso não é obra minha. Talvez isso faça o palco tão vivo, lá escolho, protagonizo, sinto o pulso da vida.

– Sinto ser artista algo vazio, a coisa só acontece lá, ao vivo, depois se é normal, apenas se vive.

– Mas no palco sim, é realmente a lira, dançar, cria la belle vie, a única que importa, a única, que é viva, (risos) poeta, bailarina.

 

Glauber Lauria é poeta mato-grossense e mora no mundo. 
Nascido em 1982, publicou de forma independente o livro Jardim das Rosas em Caos, 
já participou de três antologias em diferentes estados brasileiros 
e possui poemas publicados nos seguintes periódicos Sina, Acre, Fagulha, Grifo, 
Expresso Araguaia e A Semana.

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