Hélio Flanders

o luto carrega uma paz estranha, quase uma resignação sábia. triste, mas sábia, sobre o valor das coisas. perder Adir é inimaginável. não é coerente, não parece ser real. me torno imediatamente inepto com as palavras e todas as horas desde a notícia são dispersas, amargas, mas inevitavelmente cheias de paz. como uma missão cumprida em todos os seus pilares, exceto um, que não consigo deixar de acender, que é a de Adir ter ido cedo demais. nós dois pintando azulejos até amanhecer, caminhando pelo centro, ignorando a presença das estrelas (perto das cores que você tirava das mãos a própria lua se reduziria a sua insignificância). a tua guernica é colorida. obrigado por ter me apresentado brecht e cida moreira numa única noite, esta noite que nunca teve fim tamanha a presença dessas suas pessoas em mim. de todas as lições, da sua generosidade que só existe em quem não pertence a lugar nenhum, daqueles que habitam seu próprio tempo. eu não sei te perder, mas você me ensinaria, como ensinou tantas coisas. é até engraçado entre todas essas memórias a que mais brilha é a mais simples… o hábito da bondade, da ternura, o hábito de dar as coisas. que privilégio ter estado com você nesses quase vinte anos. eu existo como sou porque você existe e seguirá existindo porque vou seguir colocando você em tudo que eu faço, e esse toque será perene e seguirá por gerações e gerações que vão descobrir sua arte até que alguns já nem saibam mais sobre os nossos corações, e assim, furtivos, nossos corações seguirão nas coisas. e você segue em mim, em cada segundo numa sístole e diástole eterna, onde somos apenas um. obrigado por mudar minha vida. eu te amo. nunca me arrependi tanto de não ter pagado trinta reais naquele chaveiro com nossa foto que tentaram nos vender no show do cauby.

Adir Sodré e Hélio Flanders

Hélio Flanders é poeta, compositor, músico. 

Comentário

Deixe um comentário

Please enter your comment!
Please enter your name here