Por Gilda Balbino*

O processo de construção democrática enfrenta contradições, limites, dilemas, um ritmo desigual com avanço heterogêneo e acidentado nos fazendo esquecer que a disputa política é ingrediente intrinsecamente constitutivo do aprofundamento da democracia.

A dinâmica da construção democrática dos anos 80, fundamentada numa conjuntura favorável e visibilidade dos movimentos sociais, talvez tenha minimizado e subestimado os obstáculos, dilemas e limites que hoje se colocam para a sociedade brasileira. Vivemos uma crise discursiva resultante de um projeto neoliberal que se instala em nossos países na América Latina, com diferentes ritmos, ao longo das últimas décadas e, de outro, um projeto democratizante, participativo que emerge a partir das crises dos regimes autoritários e dos diferentes esforços nacionais de aprofundamento democrático.

No contexto brasileiro, marcado pela disputa político-cultural, essa crise opera em três vertentes: sociedade civil, participação e cidadania. O marco formal desse processo é a Constituição de 1988 que consagrou o princípio de participação da sociedade civil.

Esse processo emerge da luta contra o regime militar empreendida por setores da sociedade civil, entre os quais os movimentos sociais que desempenharam um papel fundamental com dois pontos importantes: o restabelecimento da  democracia  formal com eleições  livres  e  a  reorganização partidária, levando para o âmbito do Estado, em níveis dos Executivos Federal, Estadual e Municipal, o trânsito nesses setores da sociedade civil.

Esse esforço de criação de espaços públicos onde o Poder do Estado pudesse ser compartilhado com a sociedade foram instituídos por leis como os Conselhos Gestores de Políticas Públicas e os Orçamentos Participativos.

Com o Governo Collor, como parte da estratégia do Estado para implementação do ajuste neoliberal há a emergência de um projeto de que o Estado deve se isentar, progressivamente, de seu papel garantidor de direitos com o encolhimento das suas responsabilidades sociais e a sua transferência para a sociedade civil.

Contudo, para tal projeto ter êxito, embora apontem para direções opostas e antagônicas, ambos os projetos necessitam de uma sociedade civil ativa e propositiva.

A disputa política entre esses dois projetos distintos assume o caráter de uma disputa de significados para referências aparentemente comuns: participação, sociedade civil, cidadania, democracia. Dessa forma se constroem os canais por onde avançaram e avançam, por terrenos insuspeitos, as concepções neoliberais.

Essa  perversidade é  claramente  exposta  nas  avaliações dos movimentos sociais, de  representantes da sociedade civil nos Conselhos Gestores, de membros das organizações não-governamentais (ONGs) envolvidas em parcerias com o Estado e de outras pessoas que, de uma maneira ou de outra, vivenciam a experiência desses espaços ou se empenharam em sua criação, apostando no potencial democrático que eles trariam.

Dessa forma, temos que conferir um maior peso explicativo à noção de “Projeto Político” no nível teórico investigando e analisando os diversos projetos políticos em disputa, desvendando a crescente opacidade construída por referências comuns, através da explicitação dos deslocamentos de sentidos que sofrem.

Quando falo em projetos políticos me refiro ao conjunto de crenças, interesses, concepções de mundo, representações do que deve ser a vida em sociedade, que orientam a ação política dos diferentes sujeitos, no vínculo indissolúvel que estabelece a cultura e a política.

Simplificando: projetos políticos não se reduzem a estratégias políticas no sentido estrito, mas atingem concepções e temas muito mais amplos com a emergência de uma cultura mais igualitária e a redefinição das noções de política e democracia conquistadas tão duramente pelo povo brasileiro.

*Gilda Balbino é advogada e assessora parlamentar, especialista em gerência 
de cidades pela FAAP.

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