Everton Almeida

Quando Durval viu escapar a codorniz fingida da arapuca de suas mãos brancas, correu impressionado pro pai. A ave, revelada de debaixo do caixote, inconsciente, sem resistência foi espremida com delicadeza por Durval, que talvez tivesse a intenção de criá-la, não de comê-la. Chegou indeciso ao pai, com boas palavras, aos nove anos de idade: fiz tudo o que devia, pai! Nem segurei forte. Fiquei com medo de magoar a bichinha. Tava mortinha pra mim. Quando afrouxei a mão, ela subiu feliz, ressurgida da morte, nem me olhou embaixo. Se tivesse mais alguém comigo, queimava de vergonha!

O pai respondeu como quem pegou codorniz toda a vida, já avisado da façanha: que ela se fingia de morta e, depois, se fingia de viva, só pra dar raiva no homem que a pegasse. O pai explicou que Durval montasse a arapuca, munido de barbante, e que, quando o caixote cercasse a codorniz por todos os lados, com a mesma ternura a envolvesse na falsa morte. Mas, que não soltasse: antes atasse a vida da ave por um pezinho, com barbante novo. Dito e feito. Durval seguiu voluntário todos os passos do pai. Conquistou sua codorniz, triunfante, a modos de pipa: acordada, a codorniz flutuou como um balão preso a seu dono, roubada de seu voo livre. Deu ovos e viveu como rainha. Morreu na panela, num feriado qualquer em que faltou o charque, coisa comum no sertão […]

Marina era menina cheia de vida, não se prendia por nada. Aos nove anos, no sertão do sertão, andava livre como veio ao mundo, no terreiro de sua casa. Não por safadeza… era carência mesmo. O pai fornecia chita uma vez por ano, junto com sapato. Não comprava, trocava por arroz. Por ordem da mãe, era responsável por matar sempre gatos e lagartos, ladrões regulares de comida. Com um sapo, no mês de chuva, fez diferente: pegou sem ternura pelo pé, encerrou numa caixa com outros sapos e foi pra um açude distante lançá-los na água. Um divertimento, ver aquela menina fazer voar sapos como codornizes. Três dias depois, reparou que o sapo voltava, por vontade própria. Desconfiou: danado de sapo, será que é o mesmo de antes? Quer se prender? Gostou de voar, será? Com decisão de quem mostra com quantas águas se lava um pé, tomou um laço de fita, atou o pezinho indelicado e fez voar o sapo no açude uma vez mais. Depois de três dias, constatou a verdade: lá vinha o sapo com o nó branco evidente. Marina achou graça em sua própria esperteza, mas concluiu que o sapo nunca aprenderia a voar e voltaria sempre rotineiro, atrapalhando seu dia. Matou-o, como um ladrão que não era.

 

Everton Almeida, mora emTangará da Serra, Mato Grosso, é professor de literatura na Unemat, escritor, compositor e músico.

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