A minha missão no dia 24/12 é ir até o supermercado comprar bebidas e frutas para a ceia. Desço no prédio e as manifestações começam: Feliz natal! Feliz natal! Feliz natal! E eu sem jeito, agradecendo por usar a máscara que esconde a minha careta, digo de volta, meio reticente: Feliz natal… Feliz? Natal?

Pego uma marmita que a minha irmã separou e vou em direção ao mercado. Na rua, famílias se amontoam. Em sua maioria, são mães com suas crianças pequenas, pedindo roupa, comida, dinheiro, qualquer ajuda possível para amenizar as necessidades mais básicas do dia a dia. Entrego a comida para uma mulher com duas filhas. Seu sorriso branco se abriu imediatamente enquanto me agradecia pela refeição.

E sem refletir, soltei a famigerada frase “feliz natal”.

Feliz natal? As palavras martelaram na minha cabeça enquanto eu seguia o meu caminho até o mercado. Como eu pude desejar feliz natal para uma pessoa em situação de rua? Como pude ser tão insensível e em um momento de relapso externar algo que não sentia e para quê? Para ter o que dizer? Para levar um falso conforto?

Já há muitos natais que não vejo mais a magia de uma noite feliz. Muitos natais em que me questiono qual o propósito do consumismo desenfreado? Da mesa farta de comida que poderia alimentar diversas famílias além das nossas? Essa época que deveria despertar sentimentos de empatia e altruísmo, na verdade, é mais uma justificativa para nos afundarmos em nosso consumo inconsciente. Sem refletir o que fazemos com o tanto que temos e sem nos propormos a reais mudanças de consciência.

Seguimos no automático.

Chego ao mercado ainda me martirizando pelo voto de feliz natal à uma família em situação de rua. E me deparo com o horror da data. É pandemia e as pessoas se trombam, se esbarram, enquanto percorrem frenéticas as gôndolas, enchendo seus carrinhos com embalagens de sonhos vazios.

Lembro da única que vez que fui ao Paraguai no Shopping China e fiquei estarrecida com o êxtase que as pessoas entram quando estão em compras: correm e disputam os produtos como se suas vidas dependessem daquilo.

Pego as bebidas e as frutas o mais rápido possível. Me encaminho para o caixa e aguardo na fila cerca de 40 minutos. Pago. Carrego aquele peso nos braços e refaço o caminho.

Outras famílias estão nas ruas. Um pai com a filha no colo vende chicletes. Uma mãe rodeada pelos filhos vende pano de prato. Outros apenas estendem a mão. A maioria das pessoas que passa por eles está inerte, os mais vulneráveis estão invisíveis aos olhos de quem não se sensibiliza com a dor do outro.

Neste Natal, enquanto nos fartamos e nos lambuzamos com nossos desejos superficiais, 25 mil pessoas estavam ao relento nas ruas de São Paulo.

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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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