Por Caio Mattoso*

O que eu falar aqui, não sei se ficará por aqui. Melhor ainda, o que VOCÊ disse pra mim contarei não, senhor passageir@. Em 800 corridas que fiz em um ano trabalhando para a empresa mais famosa do mundo em aplicativo de transporte urbano, certamente levei mais de mil pessoas para os seus destinos. Embarcaram putas, atores, músicos, funcionários públicos, mulheres traídas, homens doentes, crianças sapecas, desesperados, gente passando mal, gente botequeira, amigos, estrangeiros, empresários, gente com a vida desgraçada por outras pessoas. Gente que sentou na frente, gente que ficou quieta, gente divertida que me fez esquecer um pouco de mim e da vida que segue.

Entrar no carro de um estranho – – com ar condicionado ligado, o que mantém acústica intimista – – e que esse estranho tem na mão a vantagem de ditar o movimento, é quase uma fantasia e um mundo paralelo que se abre. Abrir a porta para uma pessoa entrar, nesse mesmo ambiente, parece que faz o tempo parar de girar.

O que se estabelece é a casualidade de personalidades, por mais que se tenha programado a corrida. Confesso, não puxo assunto com passageiros. Foram raras as vezes que fiz. Como diz o filósofo João Batista – É um saco motorista chato querendo conversar! Agora, quando a conversa, na maioria das vezes provocada pelos passageiros acontece, e eu me interesso, eu engato. Se quem embarcou fala da sua vida pessoal pra mim, num ato de desabafo, ouço e derramo meus valores com o mesmo jeito que dirijo, na maciota.

Tem no mínimo dois lados essa história. Um é do trabalhador, um outro é do aplicativo que contrata. É evidente que esses aplicativos vieram trazer trampo para pessoas que querem ter atividade remunerada de uma maneira simples de conquistar a vaga. Basta fazer um teste psicotécnico no Detran e ter um automóvel em boas condições de rodar. Conquistada a vaga, o papo desenrola.

Vamos pensar a Uber. Além de ser um laboratório do liberalismo, sem a interferência do Estado a princípio, ou pelo menos de uma forma reduzida de sua interferência; além de ser um laboratório de observação cultural através da conversa; além de ser um serviço que melhorou a vida das pessoas, questiono o seguinte: até 40 por cento do que o motorista arrecada vai para a empresa, se analisarmos o custo que o motorista tem pra rodar, a saber, combustível, manutenção do carro, possíveis multas, impostos, lavagem, tarará, tarará, será que é justo a repartição dessa grana do jeito que a Uber vem fazendo?

Se você clicar na literatura da economia vai encontrar que a Uber está trabalhando no vermelho, ou seja, está tendo prejuízo. Se você é motorista é certo que está lucrando muito pouco (só pra pagar as contas, mesmo) e a médio prazo não está ganhando nada. Se eu continuar escrevendo vou parar de trabalhar pra esse aplicativo que não dá conta de ser sincero e declarar que é um caça níquel às custas de trabalhadores. E se eu continuar realmente a escrever, tornar-me-ei um inimigo público. Porque esse aplicativo é bom para os usuários (eu também sou mais um) e não para os trabalhadores. E se eu continuar escrevendo vou mandar a Uber se fu…. e dizer ainda que a humanidade se repete em novas marcas, se repete, se repete, se repete, se repete, se repete, né não, querido amigo parceiro da música J.Nganga!?

 

Caio Mattoso é poeta, compositor, músico, filósofo, ator e motorista de Uber 
nas horas vagas.

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