Larissa Campos

– Leva o menino pra benzer!

– A senhora acha que precisa?

– Ele anda amuado, numa preguiça sem fim, pouca energia pra uma criança de sete anos.

– Não conheço nenhuma benzedeira na cidade.

– Ouvi falar da Jacinta, a benzedeira da rua nove. Dizem que é poderosa.

Com a ajuda da mãe, a maternidade solo pesava um pouco menos para Cecília. Ela descobriu que Jacinta atendia nas noites de quinta, por ordem de chegada. A informação a fez imaginar uma longa fila, muitas mães com bebês no colo, outras com crianças maiores, trazidas pelo braço. Adultos também precisavam dos trabalhos da Jacinta? Cecília lembrou das vezes em que, na infância, visitou benzedeiras com a mãe, que nunca era benzida, só levava as crias.

No dia de conhecer a Jacinta, Cecília deu um banho demorado no filho, penteou os cabelos dele para o lado, pediu que vestisse calça e camisa branca, pingou uma gota de óleo de lavanda atrás de cada orelha do moleque. E foram até a rua nove, que ficava no bairro vizinho.

Encontraram uma fila pequena, com apenas duas pessoas na frente deles. Na casa simples, de muro sem reboco, bolo de milho e café tornavam a espera mais agradável. Permaneceram sentados, mãe e filho, no banco comprido de madeira até serem chamados pela Jacinta. A mulher aparentava ter pouco mais de quarenta anos, o que surpreendeu Cecília. Certamente, esperava encontrar uma velhinha de cabelos brancos.

Seguiram a benzedeira até o quarto nos fundos do terreno, onde o cheiro de alecrim predominava. Dos quatro cantos do cômodo, subia a fumaça do incenso, apenas uma luz amarela clareava o recinto. Jacinta pôs o menino sentado numa cadeira branca e começou a andar em volta dele. Às vezes, ela se abaixava, levava a mão ao chão e, na sequência, pousava sobre o peito. Examinou os ouvidos, os olhos, pediu que o garoto abrisse a boca e soltasse um “aaaaaaaa” demorado. A sentença veio quando o exame terminou: “Não carece do meu serviço”.

O menino recebeu ordem para levantar de onde estava e se acomodar na banqueta de plástico que ficava em um dos cantos do quarto. Então, Jacinta pediu para Cecília ocupar a cadeira branca ao centro. A benzedeira caminhou até o armário de madeira que ficava por perto, pegou um ramo pequeno de arruda e parou em frente à mulher. “Feche os olhos”.

Assim que as primeiras gotas da aspersão tocaram seu rosto, Cecília foi tomada por um sono incontrolável. Os passos faziam coro em volta dela, ora para a esquerda, ora para a direita. O som do arrastar das sandálias, do ramo tocando a água e as palavras que não conseguia compreender se misturavam aos sons noturnos de rãs, corujas e grilos orquestrados. Aquele conjunto, combinado ao cansaço de um dia intenso de trabalho, culminou no efeito sonífero que fez Cecília adormecer. Com o olhar, Jacinta buscou o canto do quarto, quis saber do menino. Ele dormia profundamente, com a cabeça apoiada na parede, a mesma em que as imagens de santos se acumulavam.

Trouxeram um colchão de solteiro, o único disponível por ali, para que a benzedeira acomodasse mãe e filho. Dormiram tão pesado que nem mesmo se mexeram enquanto a mulher colocava seus corpos no colchão. No dia seguinte, o despertar foi lento e acolhedor. Havia uma mesa simples, com bolo, cuscuz e tapioca à espera deles. O café estava forte, do jeito que Cecília gostava e precisava.

Se despediram da benzedeira diante do portão. “Agradeça ao menino. Você veio por causa dele”, disse Jacinta. Enquanto dirigia de volta para casa, Cecília observava, volta e meia, o rosto do filho no retrovisor. Os raios de sol iluminavam a criança, mas não era só isso. Os olhos do menino traziam a chama de antes, um vigor que, como a avó percebeu, andava um pouco apagado. Aproveitou o sinal fechado para encarar novamente o retrovisor. O filho estava ali, os olhos dele brilhavam.

Na cabeça de Cecília, as lembranças dançavam em sucessivas imagens da infância, registros de casas e mulheres simples. Depois de tanto tempo, se reencontrava com as recordações e com aquela prática: benzer. Sentia que a casa da rua nove continuaria com ela, fincada nas entranhas da memória. Dali uns anos, ela se lembraria da ocasião como se lembrava das benzedeiras dos tempos de criança. Talvez sentisse de novo a paz daquele abrir de olhos, o filho ao lado, o colchão de solteiro no chão do cômodo perfumado em que a mulher atendia. O nome dela era Jacinta, a benzedeira poderosa da rua nove.

 

Larissa Campos é jornalista, escritora e podcaster.

Para ler mais textos escritos por ela, acesse: https://larissaccampos.medium.com/

Comentário

  1. Que delícia de conto para se ler numa segunda-feira. Uma narrativa gostosa, suave e leve, lembrando o vínculo da mãe com o filho, da histórica tradição de benzer, do acolhimento de ser olhado, de ter o olhar reavivado. Grande escritora, Larissa.

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