Por fauno guazina*
é preciso produzir para não morrer com esse engasgo dentro de mim
é preciso, é medido, é cova certa, rasa como dizia aquele lá, é inferos essa inquietação dentro de mim, mas não desejo o aplacamento, não quero o amortecer, quero urrar de ardor, o que me mantem vivo.
vejo a tempestade se aproximando e ao invés de correr e gritar e sair desesperado no sentido contrário tentando se agarrar a tudo e a todos, eu, simplesmente eu, observo atentamente a beleza da quimera que se forma diante de mim, como é lindo o monstro da tempestade que já me assola o lar.
não é antecipação, sinto a garoa fina dos desprezos sobre minha tez, minha narina quase sente a rinite emocional que vai se abalar sobre meu ar. agora tudo cinza como a chuva pesada que trava o céu e faz iansã ser amazona das nuvens de chumbo. meu sentimento é puro, mas minha humanidade nem tanto.
no turbilhão gris das minhas emoções vejo a inquietação de sentir trovejamentos de sensações desconhecidas até então, eu tão pretenso de minha tola segurança, eu tão fútil de minhas verdades encontradas, sou agora castelo de areia a beira-mar e a maré sempre sobe.
maré sempre desce também, haja visto que tudo passa, “tomando chá ou cachaça”, mas nem tudo se desfaz, fica resto, fica sombra, fica areia pelos cantos do amor, amar é saber cultivar areia nos cantos, as vezes até plantar terra sobre coisas que não se sabe ali.
a tempestade se aproximou ainda mais enquanto eu divagava em ter castelos, minha choupana estremece, minha massa cardíaca se convulsiona e as borboletas assolam todo meu estômago, meu grito é puro bater de asas, um urro panapaná.
uma revoada de sensações e revisões, apesar da gritante chuvarada ao fundo, observo atentamente às borboletas adejando com malícia e sabor o ar claro e puro que só as tempestades podem trazer.
Até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro. — Clarice Lispector
*fauno guazina é produtor cultural, designer, professor universitário e urbanista.
