Desde crianças, André, Glenda, e eu, éramos agraciados com os gibis do Asterix e do TinTin. A cada viagem nosso pai trazia novidades impressas. Em Guiratinga, final dos anos 60 e início dos 70, tínhamos uma biblioteca razoável, com enciclopédias, obras de Monteiro Lobato, clássicos da literatura universal, obras de teatro, revistas e gibis, muitos gibis (HQs). Passava horas envolvido com a leitura, viciado em histórias em quadrinhos. Um dos personagens mais marcantes foi o inseparável parceiro de aventuras do Asterix, Obelix, que na infância caiu no caldeirão da poção mágica e não mais precisava tomá-la, como o Asterix, para se tornar superforte capaz de devastar uma legião inteira de romanos. Os celtas, ah…os celtas…

HQ sempre foi paixão

Em 1990 meu pai e meu cunhado abriram uma pizzaria no bairro Boa Esperança, em Cuiabá. O lugar escolhido já tinha sido bar anteriormente, por sinal um bar onde rolou muitos shows da rapaziada que incendiava Cuiabá desde os anos de 1980. Bar do Chico Total, era point de respeito, especializada em música ao vivo, MPB de qualidade. Agregava uma moçada que estava se movimentando cada vez mais em torno de manifestações artísticas, notadamente a música, inaugurando uma nova cidade que se movia para todos os lados. A Pizzaria Obelix ficou por alguns meses sob a direção conservadora dos gestores iniciais, era uma mera pizzaria. André Balbino era o pizzaiolo e fazia a melhor pizza da cidade. Não tenho dúvida. Nas quintas-feiras do futuro que se avizinhava, participaria das jams sessions musicais, correndo da cozinha para o palco entre uma massa de pizza e outra.

Banda BR364, André Balbino, Eduardo Ferreira, Wenderground e Mamute

Passei a trabalhar lá também, como garçom e repositor de produtos, fazia as compras diariamente. Como em tudo que me metia entrei no trabalho com tudo, meti os pés com as mãos os dedos a voz a cabeça e passei a controlar o Bar, eu diria mais descontrolar rsrs. Começamos a fazer eventos, shows, mostras de vídeo, teatro infantil, performances, zine, livros de poesia marginais, a galera começou a frequentar. Tinha um dia que era muito especial e a casa ficava lotada: a Quinta Jam, quando músicos de várias bandas de rock se reuniam e os músicos se misturavam com as formações mais inusitadas. SS, GTW, BR364, Fantasma, Petardo, Alma Negra, Blokeio Mental, Remorse de Rondonópolis que veio tocar na casa e uma banda de Rondônia de hard core DHC, trazida pelos rapazes do Blokeio Batman e Corvo (presenças cotidianas no bar), a casa já ficava famosa pelos encontros roqueiros de todos os recantos da cidade. Grande Terceiro, Cpas, centro, boa esperança, ufmt e os professores malucos, Caximir, Wender Ground, que conhecemos no Obelix e tantos outros artistas e amantes da arte. Sérgio H, baterista e vocalista, era garçom ao lado de Maria Teresa Amaral, leves, soltos e muito felizes, o rock corria solto pelas beiradas nos banquetes obelixianos.Minha irmã Glenda B. Ferreira completava nosso time de hostess, os irmãos, André Balbino, Eduardo Ferreira e Glenda Balbino Ferreira. Capileh Charbel era o cara do som e participava de quase todas as jams. Da quinta aumentamos para quinta e sexta, depois sábado e domingo. Sessões de cinema em parceria com o Cineclube Coxiponés aos sábados, sessões de teatro infantil aos domingos. Meu pai e meu cunhado saíram de mansinho e pronto: a casa estava conosco. Daí em diante a história foi outra.

Rose Pando, banda GTW

1990. Noite, riffs de guiatarra cortavam a noite fatiando sonhos e se espalhando loucamente pela cidade mais quente do país. Obelix Bar Nigth Pizza Bar Obelix, e lá estava o Personagem na marca do bar, carregando uma pizza gigantesca como se fosse o menir (menur?)(pedras gigantes que Obelix carregava como um alucinado gigante trabalhador capaz de fazer a tarefa de muitos).

Alfredo Martins e Chico Amorim, presenças constantes no Obelix

A casa fervia. Aglutinou a galera mais radical. Roqueiros artistas plásticos gente de teatro da música em geral o lugar era muito frequentado. Lembro  muito de Glória Albuês e Alfredo Martins, estavam sempre lá, Grupo de Risco, Chico Amorim era colega do bar todo dia e todo dia e noite frequentava o Obelix, Anna Marimon minha companheira e mãe de mais de mil filhas (relembrando Antônio de Pádua, jornalista que já morreu, jornalista dos bons que já passaram pelas bandas de cá), Maurília Valderez que fazia com André Balbino e eu, o Zine semanal BR364, Carlos Bertolini, professor da UFMT que foi integrante do Caximir e ajudava a bancar o jornalzinho poético, em formato de toalha de mesa de bar, Saco de Gatos & outras, Liu Arruda, Henrique da dupla Henrique e Claudinho, Júlio Carcará, Zé de Paula, ícone do carnaval cuiabano, Ivan Belém, Meire Pedroso, Eduardo Ricci, Lorenzo Falcão, Rose Pando musa da GTW trazia brilho à noite cuiabana vindo recentemente da Europa e São Paulo, Rodolfo Schefler de Curitiba, fizemos o clipe do GTW nessa época de massinha classificado em nível nacional em um concurso de videoclipes na MTV Brasil, primeiro clipe de MT a ser veiculado nacionalmente, tudo era novo, vibrante. uma euforia reinava e fazia o ambiente conectar Cuiabá ao futuro presente, presente de um futuro que influenciaria a cidade dali em diante.

Cena do clipe da banda GTW, de Eduardo Ferreira e Rodolfo Schefler

Importante ressaltar que o bairro Boa Esperança foi território da vida noturna com muitos bares alternativos que se tornavam points, Bar do Japonês, Money Money, bar do Léo, Cannabis bar (nós que nomeamos, era sem nome, uma porta só, especializado em cachaça com todo tipo de mistura como raízes, frutos, folhas, sementes e outras cositas mas), Candeias bar, Expresso Oriente, Chico Total Bar, Quase 84, e o Obelix, que confirmou de vez na virada dos anos 80 para os 90, uma movimentação efervescente de uma cultura explicitamente urbana, com todos os elementos que compunham um cenário diferente e inovador  na capital verde amazônica – o mito do portal amazônico.

Corvo da banda Blokeio Mental, parceiro da casa

O Obelix é repleto de histórias do mais puro e essencial sentido da trindade maldita: sexo drogas e rocknroll. Essas histórias continuarão a ser escritas  e publicadas por aqui nessa série saga dos anos mais furiosos e experimentais de Cuiabá.

 

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