Quando o escritor começou a escrever esta história não tinha a menor ideia do que poderia acontecer aos personagens sem nome. Estavam todos lá, quietos, esperando a oportunidade de saltar da imaginação para as páginas de um livro ou de um jornal. Esta é, na verdade, a única coisa que os personagens desejam que aconteça em suas vidas de ficção. Mas por um motivo qualquer, naquele dia, o pobre escritor não conseguia nem sequer dar início a uma nova fábula, por menor que fosse. Os personagens já começavam a demonstrar sinais de impaciência com aquela falta de inspiração. Um deles levantou-se e disse aos demais: – Já chega disso! Esse cara está demorando muito para escrever uma historinha qualquer! Além do mais é um escritorzinho mequetrefe, nem boas ideias tem.

– Alto lá! Disse uma voz vinda do fundo. Não fale mal do nosso criador, se você é um personagem pequeno o problema é seu, porque eu considero o nosso autor o máximo, para seu governo ele me deu uma belíssima história de amor.

Nessa hora todos riram. – Há há há!  História de amor, que coisa mais besta!

– Vocês estão é com inveja! Retrucou a voz com uma nota de mágoa.

Depois de um silêncio constrangedor, alguém atreveu-se a falar. – Porque  você não sai dessa escuridão e mostra a tua cara? Venha! Apresente-se à nós, ó personagem sem nome!

Lentamente a personagem adiantou-se até onde estavam os demais. Diante da luz tirou o capuz que lhe cobria o rosto. Trazia  a face direita descarnada, o que provocou  intenso mal estar. Todos recuaram diante da dantesca visão, exceto um jovem rapaz que, aproximando-se,  examinou  atentamente a figura feminina, alta e magra, cabelos castanhos alourados, pele pálida e olhos verdes, lacrimosos. – Hum, resmungou o jovem, você parece mais é personagem de história de terror. Olha só pra isso: descalça, esfarrapada, suja de lama, cabelos desgrenhados. Você não disse que era protagonista de uma linda história de amor? – Belíssima. Eu falei belíssima, não linda. Linda é o meu nome. E mesmo que não pareça, eu vivi uma grande história de amor, só não fui bem sucedida. Mas que importa? Pelo menos dei cabo daquele patife!

– Deu cabo de Quem? Do seu noivo? Perguntou o inquiridor, com ar de deboche.

– Não, disse ela, dei cabo do escritor, esse aí nunca mais escreverá nada. Vocês estão perdendo tempo ficando por aqui, e a propósito, alguém aqui já tem nome próprio? Os personagens se entreolharam espantados.

– Como eu desconfiava, disse ela, aqui ninguém tem nome ou algo parecido. São personagens sem nome, estão ainda em estado de larva. E dizendo isso sumiu na escuridão do fundo da cabeça do escritor.

Ao ficarem sozinhos, os sem nome conjecturavam entre si: – O que ela quis dizer com isso?, perguntou um. – Com estado de larva?, disse outro, – Não, seu burro! respondeu um terceiro, com isso tudo. – Essa história de escritor maldito, daqueles caras que só conseguem escrever uma única história depois se matam e coisa e tal. E se esse idiota se mata o que acontece com a gente? Vamos desaparecer antes mesmo de termos existido. Isso é muito chato!

Era uma condição desconfortável, afinal já fazia muito tempo que aguardavam ali, naquele único ponto de claridade daquela mente sombria.  Passara-se um bom tempo de espera e nada, o escritor sempre em crise por falta de inspiração, ameaçando suicídio.

– Pensem pelo lado bom, falou um dos presentes, – Se ele se matar, a gente fica livre de um destino trágico como o de Linda. Já imaginaram o que uma mente doentia como essa seria capaz de fazer com nossas vidas?

– Isso pouco me importa, eu quero a minha história e fim de papo! – Eu também! Eu também!. Começaram a gritar histericamente. Nesse momento a voz de Linda ecoou no ambiente e eles se voltaram para ela. – São todos uns imbecis, falou, olhando bem nos olhos dos personagens sem nome. – Quando disse que acabei com ele foi porque eu matei a inspiração do cara, eu esgotei a sua capacidade de escrever. Sorte de vocês que se livraram de um terrível destino.

– Como você pode saber que era um terrível destino?, perguntou a ela o rapaz alto e magro, – O que você sabe, que não sabemos?”

Linda fez um ar de mistério apresentando a eles um maço de folhas rabiscadas. – Leiam, disse com um tom de voz insinuante, – Aí estão os argumentos das histórias não escritas. Vejam por si mesmos do que se livraram.

Receoso, o primeiro deles adiantou-se e ficou chocado com o que lhe estava reservado: -Que horror! Aqui ele diz que eu me enforcarei na cortina por motivo torpe!  Assustados, todos correram para ver seus destinos: – Ele diz que eu serei cego, pobre e morrerei de frio na rua!

– E eu, um viciado traficante!

– Eu, um lobisomem!

– E eu, um soldado russo morto na segunda guerra!

– Viram seus bobocas? Do que se livraram? Agora preciso ir, antes que ele acorde! Adeus!

O escritor levantou com uma sensação estranha. A sua cabeça estava vazia, um grande oco se instalara. Ao procurar pelos seus argumentos, percebeu que haviam desaparecido. Desesperado procurou em vão e dizem que procura até hoje, nas madrugadas insones, os seus velhos textos junto com a inspiração perdida.

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