Mulheres, mulheres, mulheres. De todas as formas, cores, corpos. Mulheres reais, sem retoques ou acabamentos. Mulheres como são: livres. Sem imposições, sem neuroses, sem rótulos. Mulheres sendo apenas mulheres. Em contato com a natureza, com o próprio corpo, abraçando uma as outras e aceitando quem são. Este contato com a arte que liberta, com o olhar do outro que nos banha de empatia, estão presentes nas fotografias da Gabriella Mattiello. Este vislumbre de um mundo que é nosso e nos pertence, ali, ao alcance de um toque, de uma perspectiva nova de ser. Em meio às águas, árvores e pedras, elas mergulham em um encontro ancestral, transcendental. Paz. Amor. São palavras que vem à mente quando nos deparamos com a sensibilidade artística desta fotógrafa que revela como as mulheres verdadeiramente são, em sua essência, aquilo que não pode ser captado e traduzido pelos arranjos sintéticos a que somos impostas. Sem mais delongas, com vocês, a autora do projeto Corpo em que habito:

 - Como surgiu a sua relação com a fotografia?
Sempre fui fotógrafa pra mim, embora sem muita noção. Trabalhava em empresa privada e quando fui demitida, me mudei pra São Paulo e resolvi me dedicar ao que gostava. Foi assim que estudei fotografia e depois retornei pra Cuiabá.
- Como você definiria o seu trabalho com a fotografia?
Trabalho? Que trabalho? Hahahah! É onde me realizo como pessoa. Eu só consigo fazer uma imagem se consigo enxergar o que vem antes dela. E o que vai ficar depois.
Foto: Gabriella Mattiello
- Porque o projeto Corpo em que habito é apresentado como "fotografia de verdade, 
para mulheres reais"? Qual o objetivo desta ideia?
Porque hoje existe uma sociedade que busca a perfeição (em tudo, não só em corpos). Tenho 37 anos, luto há 10 contra a balança para alcançar algo que vejo estampado em capas de revistas, muito photoshop, imagens de instagram que não são reais. Quando a ideia surgiu, foi para mostrar que as mulheres reais (aquelas com celulite, gordura localizada, estrias) são sexy mesmo assim! Mas tive muita dificuldade em convencer as pessoas a serem clicadas, pois o que eu mais ouvia era “preciso emagrecer primeiro”. Foi assim que surgiu “fotografia de verdade para mulheres reais”. Não que as capas de revista não sejam, não estou aqui para estereotipar ninguém, mas tudo é muito surreal na mídia. Imagina você crescer com essa imposição? É difícil desconstruir. Então o principal objetivo é desconstruir essa imagem de que mulheres devem ser perfeitas para serem desejadas. Trabalhar com aceitação do próprio corpo, cada um diferente do outro.
-  Quais foram os principais desafios para viabilizar o Corpo em que habito? 
Ainda existem. O projeto ainda está em andamento sem data pra acabar. Mas sempre que posto uma imagem, sou censurada. Já tive a conta excluída, sem direito de reclamar. Abri outra, comecei do zero. Ainda escuto de muitas mulheres “não tenho coragem”, mas tirar a roupa e se permitir ser fotografada assim, por outra mulher, e que entende exatamente o que está se passando na cabeça dela, é libertador.
 
Foto: Gabriella Mattiello / Corpo em que habito
- Qual foi a história que mais te tocou e que chegou para você através do projeto?
Fotografei no estúdio uma mulher linda, linda, linda! Durante o ensaio pedi pra ela se abraçar, sentir o próprio corpo. Virei as costas pra ajustar a posição da luz e quando olhei pra ela, ela estava chorando. E me disse “a gente não se abraça, né? A gente abraça o mundo, todos os problemas, os problemas dos outros, quer curar os outros, mas não se abraça.” Larguei a câmera e choramos juntas. Foi dolorido ouvir aquilo, porque é verdade.
No ensaio coletivo também doeu ouvir “quando for postar, avisa pra gente se preparar para as críticas (ao corpo), que com certeza virão.”
- O que você busca retratar com o Corpo em que habito?
A beleza nua e crua, real. 99% do ser humano é infeliz com o próprio corpo. No projeto sempre busco ver o que o fotografado não vê nele próprio. Então eu busco mostrar que ele é belo do jeitinho que ele é.
 
- Em uma sociedade baseada no consumo, inclusive dos corpos, o projeto busca uma 
perspectiva revolucionária para alcançar a autoaceitação? 
Eu não diria revolucionária, mas uma perspectiva diferente. Essa problemática existe há muito tempo. Antes o que era padrão de beleza eram mulheres gordinhas. Em alguns países isso ainda é uma regra. Mas aqui não estamos falando só de corpos gordinhos. Falamos de rejeição. Porque o ser humano busca aprovação 100%. Se você achar seu nariz lindo e alguém disser que ele é feio, já cria um problema e tu pode passar a odiá-lo. Já fotografei mulheres lindas, com corpos “perfeitos” mas que não se amavam porque foram rejeitadas. Isso é complicado. A partir do momento que você se aceita como é, a opinião do outro não importa. Nada do que vá falar pode te ferir. Mas isso é um processo longo de cura. O registro fotográfico do corpo ajuda nesse processo. Então não é revolucionário, porque como falei, o problema existe há muito tempo e curar isso é demorado, trabalhoso. Então penso em uma perspectiva diferente, outra opinião.
Foto: Gabriella Mattiello / Corpo em que habito
- Como você percebe o impacto da sua fotografia na realidade e nas pessoas que 
estão a sua volta?
Confesso que não tinha muita noção de onde tudo podia chegar. O projeto ainda é pequeno, ele vai crescer mais e pretendo alcançar o maior número de pessoas possível. Mas estou indo devagar, porque lido com o sentimento das pessoas e isso é bem delicado. Mas tenho recebido feedbacks positivos, mensagens que me motivam a seguir em frente, pois percebo que isso tem impactado na vida de algumas pessoas positivamente. E não só naquelas que estão à minha volta. Até de outros países já percebi a influência positiva. Cogito inclusive levar o projeto pra fora.
 
- O que mudou em você quando começou a clicar estas mulheres reais?
Eu passei a me enxergar diferente. Acho que foi mais marcante pra mim do que pra elas. Sempre tive medo do julgamento alheio, e aí entra aquele lance de esperar aprovação 100%. Mas quando percebi que ninguém era perfeito e que o problema envolvia muito mais pessoas do que eu imaginava, eu relaxei. Ainda é difícil, mas hoje sigo mais tranquila.
Foto: Gabriella Mattiello / Corpo em que habito

 

- O que você tem projeto para o futuro?
Nada em mente. Por hora, só ajudar as pessoas com essa fotografia. Quanto mais gente alcançar, melhor.
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Marianna Marimon, 30, escritora antes de ser jornalista, arrisco palavras, poemas, sentidos, busco histórias que não me pertencem para escrever aquilo que me toca, sem acreditar em deuses, persigo a utopia de amar acima de todas as dores. Formada em jornalismo (UFMT) e pós-graduação em Mídia, Informação e Cultura (USP).

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