Por Antonio Torres Montenegro*

Duas datas, que podem ser lidas representando eventos significativos da história do Brasil, são objeto de escritos, reflexões e, também, comemorações. Como não me filio às comemorações, resta em 2018 acatar a decisão democrática. E associar-me àqueles que refletem e se dispõem a aprender com o imponderável da história.

Nesse torvelinho de acontecimentos diários, como se a história houvesse sido tomada pela velocidade das redes sociais, telefona-me Roberto ex-orientando de doutorado em história da UFPE. Na conversa sobre artigos, livros e o clima ‘de certa suspeição’ em sala de aula, pergunta se recordo quando em 2000 me procurou para conversar sobre sua tese. Relembro sua perplexidade ao pesquisar nos arquivos do DOPS-PE, o período da ditadura de 1964 a 1985. Os documentos daquela delegacia sobre a prisão de pessoas taxadas de “comunistas” lhe causaram enorme confusão mental.

Afinal, diferente do que aprendera em cursos, livros, artigos, conversas, em que “comunista” era alguém com ligações com o Partido Comunista, os documentos do DOPS mostravam algo completamente distinto. Para alguém ser preso, torturado e morto como “comunista” bastava ser denunciado. E a denúncia poderia vir de um(a) vizinho(a), um(a) parceiro(a) de trabalho, um(a) ‘amigo(a)’, um(a) ex-companheiro(a), ou até de alguém da própria família.

Ficamos alguns instantes em silêncio ao telefone, tomados pelo passado do presente. O silêncio foi rompido, ao perguntar-me se o projeto da ‘escola com censura’ não apontava na mesma direção de experiências já vivenciadas no período da ditadura? Respondi-lhe que sim e não. Sim, quando lemos um documento intitulado ‘nota técnica’ assinado por 258 promotores do Ministério Público em apoio a ‘escola sem partido’. Sobretudo, o tópico 4 desta nota que afirma: “80% dos professores da educação básica não se constrangerem de reconhecer que seu discurso em sala de aula é politicamente engajado”. Será que os 258 promotores que assinam a nota, indagaram aos redatores, quem, onde, quando foi realizada a pesquisa que embasa tal afirmativa? Ou ainda chegaram a debater, que estes professores, aviltados salarialmente, muitas vezes alvo de agressões física e moral por parte de alunos e pais, passarão a ser vítimas de denúncias anônimas? No entanto, respondi a Roberto, que os tempos históricos são muito distintos. E lembrei-lhe que na história não há volta ao passado, porém discursos e práticas que, mesmo condenados por uma parcela significativa da sociedade, muitas vezes, são reatualizados.

Antonio Torres Montenegro (UFPE). Prof. Titular do Departamento de História da UFPE.

 

 

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