Por Isa Sousa*

Uma briga entre mãe e filha. A filha cobra a mãe, diz que ela viveu, basicamente, de devaneios durante toda a vida – de jornalista e escritora, diga-se de passagem – e quem realmente sustentou a casa foi o pai, já morto. A filha está recém-separada, vida em turbilhão, joga coisas na cara da mãe, diz que é preciso vender aquele imóvel. O imóvel é um apartamento no Edifício Aquarius, na orla de Boa Viagem, Recife.

A mãe diz que pode ajudar a filha financeiramente. É a deixa para os impropérios que a filha diz naqueles minutos de tensão. Ainda estão na sala o filho mais velho – que nada diz durante toda a cena – e o filho mais novo, que fica dizendo “cala a boca Ana Paula”.

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É então, no meio de tudo aquilo, que o filho mais velho sai do sofá, vai até a estante (invejável estante, diga-se de passagem número 2). Na estante, ele escolhe um livro a dedo. Senta novamente no sofá, mostra a dedicatória do livro. Ali estão o nome dos três filhos. O livro fora escrito pela mãe, a intensa Clara, vivida por Sônia Braga.

A filha desaba. Abraça a mãe. Pede desculpas. Antes, no entanto, Clara havia dito uma frase arrebatadora: “a viúva de seu pai sou eu”.

O silêncio do filho mais velho durante toda a briga é avassalador. É ele quem, sem dizer uma palavra, constrói uma das cenas mais intensas de Aquarius, dirigido pelo diretor pernambucano Kleber Mendonça Filho, em cartaz no Cinemark, em Cuiabá.

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É também com silêncio que é construída uma cena entre Clara e um possível futuro namorado. A partir de aqui, contém spoilers.

Após o forró e troca de olhares, os dois vão para o carro dele. Começam uns amassos. Ele começa a tocar nos peitos de Clara, até perceber o vazio que tem em um deles. Clara teve câncer de mama anos atrás. O homem paralisa. Silêncio. Ela entende. Ele diz que a deixará em casa. Ela fala que não é preciso, ela vai de táxi. Ele insiste. Próxima cena: ela chega em casa de táxi.

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Aquarius é um filme de resistência: não é um filme apenas sobre uma mulher forte, de 65 anos, que teve muitas batalhas que enfrentar ao longo do caminho. Aquarius é resistência por apenas mostrar que é possível ser feliz na “solidão”, entre aspas porque é impossível ser solitário junto aos seus livros e músicas, belas músicas, por sinal.

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É resistência por apenas querer manter, literalmente, em pé, um passado, seja ele fisicamente visível entre LP’s, móveis ou o intocável: a memória.

Aquarius é um filme de silêncios ensurdecedores. E é por isso que precisa ser visto, sentido e ouvido.

*Isa Sousa é jornalista e escreve sobre seus destinos no blog Ela viaja.

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