Por Sika*

Sabe quando você já está saturada da rotina da sua vida? Acordar cedo, tomar café, enfrentar 40 minutos de trânsito, trabalhar o dia todo e chegar morta em casa? Todos os dias, exceto nos fins de semanas. E, de repente, você sente que está na hora de mudar esse roteiro de vez. Pegar a estrada e desapegar de todo o resto que te cerca. Até chegar a conclusão que o ideal seria algumas férias nada convencionais. Algo longe do calor, da areia quente e dos coquetéis gelados.

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Foi assim que decidi ir para o sul da América Latina no mês de agosto, logo no fim do inverno. Fiz um roteiro extenso, mas queria falar sobre um lugar em particular: Cabo Polônio. Uma vila de pescadores adaptada para o turismo. Lugar pacato, silencioso e deslumbrantemente lindo. Por lá, moram-se em média 50 famílias, alguns muitos cachorros e lobos marinhos. Todos felizes e bem ‘receptivos’.

Cheguei em uma segunda-feira de sol e vento geladinho. Entrei no país pelo Chuy, cidade localizada na ponta do Brasil. Peguei um ônibus para Castillos e, em seguida, fui ao Parque Nacional de Cabo Polônio. De lá, subi em um ‘pau de arara’ (que seria um caminhão 4×4) para chegar à vila. Durante o trajeto, vi uma vegetação magnífica que fazia parte de uma paisagem igualmente maravilhosa.

Depois de meia hora a 40 minutos de caminho, aparece o farol de Cabo Polonio. Uma construção com 135 anos de existência. O único lugar que conta com energia elétrica, já que as demais casas e estabelecimentos (ainda, alguns) dependiam de energia eólica.

Fiquei em um hostel que funcionava com este tipo de energia. Somente a geladeira, a caixinha de som e algumas luizinhas de led instaladas nos quartos, funcionavam bem no local. Internet, por incrível que pareça, tinha. Mas somente cinco minutos ao dia, para avisar as pessoas do mundo exterior que você estava bem e vivo.

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As áreas em comum do hostel eram tomadas pela luz de velas, instaladas sobre garrafas de vinhos. Sempre às 18h, o Mateus – mineiro que tomava conta do espaço – soltava um ‘Vamos a ver una película!’ e acendia a lareira na sala. E ele não estava mentindo. O ritual era quase o mesmo de um filme, com direito a comentários sobre a cena do fogo e da lenha queimando.

No jantar, um francês chamado Neils era quem tomava conta da cozinha. Foram diferentes assados de peixe, já que a vila era de pescadores e este era o prato típico e principal da região. Tudo bem delicioso.

Escutávamos as mais diversas músicas de cada país dos residentes da casa. Tive a oportunidade de conhecer algumas bandas de rap do Chile, rock argentino, além de escutar muito Manu Chao durante todo o dia. Mas, sempre que podia, colocava minha play list bem linda de música brasileira, o que, modéstia a parte, era muito melhor hehe.

Velho queijo

Acordei cedo todos os dias da minha temporada por lá. Como as coisas eram bem caras na vila – e eu cometi o vacilo de não comprar alguns itens em Porto Alegre (cidade que passei um final de semana antes de partir para o Uruguai) -, dividi com um amigo a compra de um pão grande e um pedaço de queijo. Os itens eram comprados no único mercado da região. Um casebre velho de madeira, com produtos empoeirados e objetos um tanto enferrujados.

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Infelizmente não registrei o interior da loja, mas garanto que tudo era bem incomum com as vendas do Brasil. Um velhinho uruguaio tomava conta do espaço. Quando pedimos o pão, ele pegou a peça com as próprias mãos, sem luva e nem nada, e colocou na sacola. Apontamos para o pedaço de queijo que estava em cima da prateleira de madeira (velha também), no qual ele manuseou da mesma forma, e colocou em cima de uma balança com no mínimo 30 anos de existência, inteiramente enferrujada.

Ao ver que o pedaço seria demais para nós dois, pedimos para partir no meio. Ele, sem intimidação, pegou uma faca suja que estava ao lado da balança e cortou o queijo ao meio para que, em seguida, jogasse em cima da mesma balança. Aprovado, colocou tudo na sacola, pegou o dinheiro e disse ‘adios’. Tentei não ficar enojada, até pelo fato de eu estar em outro país e procurar respeitar os respectivos costumes.

Maria Joana

Por lá, pude ver atos bem incomuns para os brasileiros. Dentre as mais ‘polêmicas’, está o cultivo de maconha nas residências. No hostel em que estava, tinha ao menos uns 20 pés plantados.

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Todos bem pequenos, ainda não estavam prontos para o cultivo. Segundo o Matheus, faltavam ainda mais três meses para que a flor brotasse e, assim, pudesse ser colhida. Todas bem verdinhas. Na verdade, particularmente falando, eu acho a planta muito bonita.

Uma bela noite, assistindo a ‘película’ a luz de velas, dois hippies pescadores da região chegaram ao hostel com um cachimbo. Cordialmente, ofereceram para todos os presentes. Cordialmente, aceitei. Posso dizer que foi uma sensação muito boa. Me senti bem relaxada.

Diferente de me sentir alterada, ‘corajosa’ ou com cheiro ruim, o uso só me deixou com sono. Após isso, dei boa noite a todos e fui dormir. Sim. Foi o melhor sono que tive, como não tinha há muito tempo.

Paisagem

A paisagem era extremamente exuberante, seja de dia ou de noite. Meu hostel ficava um pouco atrás das casas, mas dava de ver o mar da porta de vidro da sala. Houve um dia em que resolvemos andar a beira-mar, até chegar a uns recifes localizados em outro lado da praia. Foram duas horas de caminha só de ida, e o mesmo tempo na volta. Posso dizer que foi uma das coisas mais lindas que presenciei, pois de um lado havia as águas do Atlântico bem azuizinhas e do outro as dunas, parecidas como um deserto.

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Durante o trajeto, vi caminhos de conchas coloridas em meio a areia fofa que nos fazia ficar mais cansados. Mas tudo era bem distraído com a companhia da ‘menina’. Apelidada por mim, ela era um dos cachorrinhos que moravam na vila. Super companheira, ela andou do meu lado em todo o caminho e, por vezes, parava uns segundos para admirar o mar, como se estivesse refletindo sobre a vida. Ela fazia mais parte daquele lugar mais que qualquer outro ser. Era lindo vê-la assim.

Voltando ao passeio, me deparei com um enorme lobo-marinho morto. Possivelmente morto por ação do homem, já que tinha um buraco no formato de uma lança, próximo ao rabo do bicho. Cena um tanto triste.

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Chegando às pedreiras, fiquei gastando bastante tempo sentindo a brisa e olhando o mar. O dia ainda estava geladinho, mas o meu corpo esquentou com a caminhada, por isso meditei tranquilamente junto com aquela paisagem. Na volta, o trajeto foi longo da mesma forma. Meio cansada, mas com o sentimento de ‘valeu a pena’ por ter percorrido aquelas areias.

Já a noite de Cabo Polônio teve algo muito especial. Além de admirar o farol da janela do hostel, em meio àquela vila escura, sem energia elétrica, descobri por lá que a água do mar brilhava. Sim!

Sabe aquele filme ‘A Praia’, protagonizado pelo Leonardo DiCaprio? No qual tem a cena na praia em que as águas brilham? É mais ou menos aquilo. Ao pisar, pequenos pontos de luz azul acendiam em torno dos meus pés. Com essa, fiquei chutando e pulando na água, naquela noite fria. Foi uma sensação maravilhosa J

Adeus

O meu primeiro destino de um mochilão programado para o sul da América Latina já estava chegando ao fim. No último dia daquele paraíso, ainda subi no alto do farol.

Se não me falha a memória, foram 130 degraus circulares até chegar ao topo. Quase morri! Mas a vista valeu muito a pena. Lá de cima tive como observar toda aquela paisagem de forma ampla, que compunha os recifes, a extensa areia, a pequena vila, as dezenas de lobos marinhos curtindo um sol e também uma baleia! Sim! Vi uma baleia nadando pelos arredores da vila. Tudo muito perfeito.

Desci e li algumas coisas sobre a estrutura centenária. Ela foi construída em 1880 para orientar melhor os navegantes que passavam pela região, uma vez que um galeão espanhol naufragou na região na data de 1735. Desde então, o farol atraiu pescadores e pequenos comerciantes para aquela região, até que o paraíso virou um atrativo para turistas do mundo todo.

Depois de conhecer um pouco a história daquele lugar, voltei para o hostel e arrumei minhas coisas. Com o coração apertado comecei a dar adeus.

Peguei carona de carro com um casal de cariocas que estavam hospedados no mesmo lugar, e parti para Punta del Este e, em seguida para Montevideu. Que posso contar em uma outra ocasião.

Mas aquele silêncio cheio de cores, os lobos marinhos, as pessoas e a ‘menina’, não vão se apagar da minha mente tão cedo. Permaneceu como aquelas lembranças que você fecha os olhos e é capaz de sentir o lugar, como nunca antes. Ficou no coração.

*Sika é jornalista, arteira e gosta de passear por aí

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