*Por Luiz Renato de Souza Pinto

Na antessala do espetáculo conversava com Claudete Jaudy e Ana Amélia Marimon sobre como as coisas deram certo em nossas vidas, têm dado certo. Estamos aqui, quase idosos, com direito a assento especial, passagem de graça e outros benefícios, menos a aposentadoria na hora certa, afinal o buraco da previdência deve ser culpa de quem trabalha, não é mesmo?

Mas essa prosa veio à tona por conta do Sandro Luccosi que dizia em sua preleção no Artes da Cena que os mais idosos deveriam ter prioridade no assento para assistir ao espetáculo daquela noite: o Ora Mortem! Pois não foi bem assim, e enquanto Ana foi nomeada como guardiã do tempo, segurando a plateia antes de subir ao palco, trocávamos essas palavrinhas pensando na possibilidade de Caximir e Gambiarra fazerem uma parceria, em nome dos bons tempos, dos saudosos anos 1980.

Nao-presta-pra-nadaE lá no fundo de minha cachola eu me lembrava do livro de contos de Marta Cocco, lançado recentemente com o título de Não presta pra nada. Como assim, Marta, não prestar para nada? Os contos são maravilhosos, narrativas curtas com densidade na medida certa para que sirva para o movimento dos olhos repararem no que está por perto, para alcançar mais longe o viajante incauto pela floresta dos símbolos de que falava Baudelaire. Presta sim, Claudete Jaudy, a gente tem se prestado para ver e ouvir muita coisa boa ao longo desse tempo todo.

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A escritora Marta Cocco

Nos contos do livro, a poeta consagrada por várias publicações e alguns prêmios, traz para o campo da prosa sua verve literária competente e irradia uma tensão dramática que se estira pelos contos comprimidos em poucas páginas, mas infestados de inquietações, de memórias revisitadas pela imaginação criadora que germina em cada autor, cada um em seu tempo; e esse foi o dela para surgir agora com sua prosa.Em As Cinco Marias, por exemplo, que eu já havia lido há algum tempo, pelas mãos da própria autora, Marta tece comentários acerca de suas irmãs desvelando o universo familiar à luz de imagens sutis de uma subjetividade interdita.

O espetáculo da noite nos deixou embriagados, e ao contrário de nós, escritores que vivemos com o peso trazido pela palavra, a exemplo de artífices que romperam com o código verbal, como o emblemático Wlademir Dias Pino, o coletivo Im-próprio nos brindou com essa montagem que, a meu ver, caberia em qualquer palco do planeta, por não fazer uso linguístico de qualquer idioma, o que por si só o torna universal, mas pela amplitude dramatúrgica que espelha o eu no outro, provocando sensações múltiplas em um público apaziguado por essa atmosfera construída pelo som , pela água, pela luz; uma poética do espaço, no melhor estilo bachelariano.

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Mario Quintana

Recentemente, em banca de um Trabalho de Conclusão de Curso na Universidade de Pernambuco (UPE), Campus de Petrolina, citei um poema de Mário Quintana, para complementar a força da cadeira de balanço como elemento biográfico de O tempo e o vento, de Érico Veríssimo. Essa imagem me retorna agora, com esse espetáculo. O velho Quintana encerra seu poema lembrando como as avós, as que trilharam caminhos profundos da terceira idade, encaram esse objeto biográfico:

enquanto suas almas

vêm sonhar no tempo

o sonho vão do mundo

e depois se acordam

na sala de sempre

 

na velha cadeira

que a morte as embala…

 

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Ora Mortem

Não sei o que o espetáculo deixou de contribuição para cada um que teve a oportunidade de experienciá-lo, posso apenas deixar o registro do impacto causado em mim, em meu próprio “eu”, e o faço, com tranquilidade, dizendo aqui o que depositei no ouvido de cada um dos componentes do grupo; para poder retribuir na mesma moeda, trocar, como disse a protagonista, nos agradecimentos finais, só posso dizer que fiquei sem palavras. Ora, mortem, com o perdão da palavra: teatro é vida!

*Luiz Renato de Souza Pinto, é poeta, ator, professor, escritor, pescrutador de assuntos literários, Caximir de corpo e alma.

QUINTANA, Mário. Nariz de Vidro. São Paulo, Moderna, s/d.

 

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Ao completar vinte anos da publicação de meu primeiro romance, fecho a trilogia prometida com este volume. Penso que esse tempo foi uma graduação na arte de escrever narrativas mais espaçadas, a que se atribui o nome de romance. Matrinchã do Teles Pires (1998), Flor do Ingá (2014) e Chibiu (2018) fecham esse compromisso. Está em meus planos a escritura de um livro de ensaios em que me debruço sobre a obra de Ana Miranda, de Letícia Wierchowski e Tabajara Ruas; o foco neste trabalho é a produção literária e suas relações com a historiografia oficial. Isso vai levar algum tempo, ou seja, no mínimo uns três ou quatro anos. Vamos fechar então com 2022, antes disso seria improvável. Acabo de lançar Gênero, Número, Graal (poemas), contemplado no II Prêmio Mato Grosso de Literatura.

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