Por André Balbino*

Cheguei ao SESC Arsenal as dezoito horas e cinquenta minutos, vou trocar meu litro de leite por um ingresso para a apresentação dos violeiros Paulo Freire e Levi Ramiro. Os dois de São Paulo, um do interior o Levi, o Paulo da Capital. O rapaz da bilheteria diz, “só as dezenove horas que abre”, assim meio sem saber o que fazer fico por ali, arrodeio, vejo um banco e sento-me, antes do mau humor, passa um rapaz da choperia com uma bandeja cheia de copinhos com caldo de feijão, oferecendo a todos e todas que vê pela frente, pego um e agradeço dizendo, “como vai bem um caldinho de feijão com esse tempo friozinho que faz por aqui, muito obrigado”.

Aproveito o tempo que me resta antes da apresentação e vou na galeria do Arsenal me deliciar com a exposição DESÁGUA, de André Gorayeb. Meu xará, talentosíssimo, nova geração de pintores cuiabanos com alto grau de sensibilidade técnica, o André é acima da média; bom mas estamos aqui para ver os violeiros nessa 18ª edição do Sonora Brasil, que nos trás nessa semana, do dia 7 ao 10 de junho de 2016, o tema VIOLAS BRASILEIRAS.

Representando a viola caipira, esses dois mestres, Paulo e Levi. Sento-me na poltrona do teatro e penso no quanto devia estar lotado isso aqui, mas não, um pequeno público, pouco mais de cinquenta pessoas se aconchegam para assistir. Os violeiros entram já tocando as violas, eu me animo e deixo a alma me levar…

Percorrer o caminho

Bifurcado xis

Intergaláctico

Cheio de trieiros

Deixo meu cavalo seguir de rédeas soltas

Hoje ele me leva

Onde for meu bravo, irei junto

Os caminhos, as partes do caminho

As pontes, os trilhos

Arredio destino domador

Arrepio lusco-fusco

Dessa tarde que cai

Sombreando lembranças doloridas

Perdidas no passado

De cara, “Lundu”,  com os dois tocando. Emenda “Rio abaixo”, músicas de autores desconhecidos; nesse meio tempo os dois já se apresentam e mostram como são virtuoses em “contação” de causos. A platéia já está se sentindo como se estivéssemos na sala de casa, é como se fossemos convidados a entrar num túnel de tempo da viola caipira didático e emocionante. Os arranjos criados pelos dois violeiros é de uma sensibilidade ímpar. Dou como exemplo a música “Canoeiro”, de Zé Carreiro e Alocin, fizeram uma versão instrumental, lindo arranjo, com solos fantásticos dos dois, um passando a vez pro outro. O mais legal é que o Paulo toca a viola afinada em “rio abaixo” em sol maior, e o Levi toca afinada em “cebolão” em mi maior, então, a liga fica ainda mais interessante e ainda mais didática permitindo uma variação timbrística muito peculiar, a afinação “cebolão” mais aguda, a “rio abaixo” mais aveludada.

Os causos vão se sucedendo numa harmoniosa ligação com as músicas, a impressão é que estamos diante de dois “cumpadi” bem caipiras que conversam entre si “mangando”, sempre que podem, um do outro, destaco o causo: “O sapo e o veado”, uma maravilha que distribuiu gargalhadas por toda a platéia.

Tocaram folias, cururus, cateretês, moda de viola, lundus, passearam por toda a gama de ritmos desse sertãozão nosso do centro sul do pais, numa apresentação magnífica de dois violeiros completos, tocaram instrumentalmente, “Mineiro de Belo Monte”; “Navalha na carne”, de Tião Carreiro e Lourival dos Santos; “De papo pro ar”, de Joubert de Carvalho e Olegário Mariano; “Brincando com a viola”, de Bambico e Homero Bétio, num arranjo maravilhoso do Paulo Freire para a viola afinada em rio abaixo. Encantei-me com a erudição do Paulo nessa música; cantaram “Rio Pequeno” do Tonico e J. Merlini; “Balão vermelho”, que é uma música de domínio público que foi transmitida pelo Mestre Manelin, que vem a ser o mestre do Paulo Freire, lá das bandas do Urucuia em Minas Gerais; uma apresentação dessas de deixar a gente satisfeito e inspirado. Ainda voltaram para um bis, homenageando a nossa grande Dama do som de Raiz a saudosa Inezita Barroso, com duas músicas, tocadas instrumentalmente, que ela adorava cantar, “Cana verde”e “Moreninha linda”, de Tonico e Tinoco; extasiado e inspirado só pude me conectar…

Viola hermosa

Viola travessa

Atravessa os séculos

Ilesa

Moderna, faceira

Eita viola brasileira

Amanhã tem mais Sonora Brasil com “Violas Nordestinas” Adelmo Arcoverde, Cassio Nobre e Raulino Silva e, com certeza lá estarei, apreciando mais uma apresentação de viola caipira, viola de arame, viola brasileira, viola, viola meu amor.

*André Balbino é violeiro, desenhista, pintor e poeta nas horas vagais. Nasceu em Guiratinga MT.

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